sábado, 17 de outubro de 2020

Liberais empolgados com a aprovação de Bolsonaro pelo povo; e anúncio da série “Radical do movimento negro”


Escrito ao som de Visonia, "Beyond the clouds", e outras coisas

Na parte III do Compilado de parasitologia humana antecipei o assunto dos radicais do movimento negro, mas tratei principalmente dos tipos bolsonaristas: os fiéis, os que fazem acrobacias para defender seu voto numa aberração, os contemporizadores. Dentre os contemporizadores estão sujeitos falastrões sobre qualquer assunto tornado tendência nos jornais e nas redes sociais, mas que estranhamente não falam nada ou quase nada contra Bolsonaro. Quando cobrados, eles se abrigam sob o telhado do cinismo: “falo sobre o que eu quero, não tenho que falar sobre isso”. Não tem, realmente. Mas faz sentido perguntarmos por que o papagaio opinante se omite sobre questão que afeta todo o redor da sua gaiola. Por que está calado se diante de temas bem menores não fecha o bico? Bolsonaro é grosseiro, despreparado, ignorante, preguiçoso, inapto, autoritário, defensor da tortura, defensor da execução, corrupto, megalomaníaco, apaixonado pela destruição (de pessoas, instituições, valores, florestas e projetos) – e só não deu um autogolpe porque não conseguiu o apoio de que precisava para a empreitada. Bolsonaro rebaixa o parâmetro de qualidade da presidência: quase qualquer coisa que entrar depois dele será melhor que ele, e isso é má notícia. Bolsonaro mentiu a maior parte do seu programa de campanha e quem acreditou que ele melhoraria o país estava sofrendo de um apagão no raciocínio ou aceitava apoiar um fascista. Mas os contemporizadores fingem que ele não existe, que não é um problema tão grave, que é melhor do que qualquer esquerdista no poder. 

Em 14 de agosto o Datafolha publicou uma pesquisa a dizer que “aprovação de Bolsonaro cresce e é a mais alta desde início do mandato”. Havia meses as notícias sobre política na Folha de S.Paulo não recebiam comentários das hordas de bolsonaristas – os professores da rede pública com assinatura gratuita puderam se destacar defendendo esquerdices –, mas a pesquisa do Datafolha conseguiu reanimá-los nos esgotos e agora eles estão de volta apoiando barbaridades, violência e até corrupção (Lula não pode ter sítio mal explicado, mas membros da família Bolsonaro podem ter imóveis comprados com dinheiro vivo). 

A novidade é que além desses broncos a pesquisa do Datafolha animou muitos “liberais”. Vi no mínimo três deles escrevendo textões e tweets com centenas de curtidas sobre a humilhação que o resultado oferecia à esquerda. “É, esquerda, parece que o povo não quer suas ideias”, disseram. É má-fé, ignorância ou ingenuidade (irmã da ignorância)? De fato o povo não quer os principais projetos da esquerda, mas desde quando o povo quer os principais projetos dos liberais? E debaixo de que pedra vivem esses senhores para achar que a aprovação de Bolsonaro pelo povo se deve prioritariamente a uma rejeição aos projetos da esquerda? Que análise rasa foi realizada para estabelecer essa causalidade tão categórica “se o povo aprova Bolsonaro, só pode ser porque abomina a esquerda”? A pressa é inimiga da ponderação. As pesquisas saíram num dia e no mesmo dia alguns sabichões liberais já tinham explicações para os anseios do povo em manter Bolsonaro no poder: uma suposta “negação da esquerda”. 

O povo brasileiro era muito abençoado pela esquerda quando mantinha o PT no poder por 13 anos. Esse mesmo povo – mal-educado, inculto, motivado por modas, assistencialismo e culto à personalidade – de repente é querido por uma parte da direita liberal quando não apenas não vota num candidato de esquerda como apoia o incompetente Bolsonaro. O povo que num momento é “a voz de Deus” passa rapidamente para “a voz dos fascistas”, segundo esquerdistas, e “gente antenada que pensa de forma prática contra a esquerda”, segundo alguns liberais. Não conhecem o povo ou não sabem enxergar coisas que estão a um palmo do nariz, e aí é claro que terão que rebolar para dar explicações rápidas – e fáceis – toda vez que essa população não agir conforme seus desejos de causalidade simplória esperavam. Acham-se especialistas entendendo as moções do povo quando ele aprova um candidato “do seu lado”, mas ficam espantados com uma ignorância de séculos demonstrada ostensivamente quando as mesmas gentes votam com paixão em alguém “do outro lado”. 

Não romantizem a percepção ou a “sabedoria prática” do povo, pois ele não vota nesses termos. Esse povo que decide eleição enquanto intelectuais teorizam nas academias e polemistas ensimesmados desenrolam fios no Twitter: ele não vota em bons projetos fundamentados, não sabe a diferença entre esquerda e direita, acredita em correntes de Whatsapp, compartilha fake news descarada, deixa-se levar por campanhas que fazem produções cinematográficas para convencer o eleitor, simpatiza com figuras da política por motivos idiotas, segue ondas, vende o voto por aperto de mão e cesta básica, pensa que o auxílio emergencial de 600 reais garantido pelo Congresso foi dado pelo misericordioso Presidente, mantém notórios corruptos no poder por décadas. Achar que a aprovação de Bolsonaro pela massa votante se deve a uma reflexão contra os radicalismos do movimento negro, as feministas da quarta onda, o Estado inchado e “as ameaças do socialismo” – como se o povo soubesse o que é socialismo – é tolice e despreparo analítico. 

Liberais deveriam chorar no travesseiro ao ver que Bolsonaro é apoiado pelo povo. Um liberal que acha algo positivo o resultado dessa pesquisa do Datafolha precisa ver se sua posição política e econômica é de fato liberal ou se deve ser chamada de meramente antiesquerda. Se um liberal de calças curtas está aceitando qualquer coisa “antiesquerda” mesmo que essa coisa também seja muito anti-liberal – e mesmo que a ascensão dessa coisa signifique a impossibilidade de eleição do Amoêdo –, pode ser o momento de ele rever a autodenominação equivocada. Sua igreja é outra. Vá viver sua fé fanática com mais honestidade enquanto carrega o lema rasteiro “inimigo do meu inimigo é meu amigo”. 

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Andei escrevendo e escrevendo para uma tal parte IV do Compilado de parasitologia humana que seria sobre os radicais do movimento negro, mas o texto cresceu de tal forma por causa da inserção de subtítulos e historietas que esta semana ele estava alcançando 50 páginas – e crescendo. A pergunta é: quem lê texto de blog que equivale a 50 páginas? Desconheço. Fiz até um sumário com os subtítulos para os leitores que quisessem ler o texto todo (mas de forma picada) ou para aqueles que quisessem ler somente os assuntos que despertassem interesse pessoal. Mesmo assim, não achei uma boa estratégia: havia grande chance de alguém começar a ler, ficar cansado, pensar “volto depois para o restante” e esquecer. A expectativa de um textão na internet que parece a reprodução de um livro de bolso muitas vezes desanima a vontade de começar a encará-lo, e também pode gerar xingamentos gratuitos (vezeiros no mundo virtual, que é realíssimo) como “quem é você na fila do pão para achar que pode escrever coisas dessa envergadura e que as pessoas vão ler?”. 

Esses dias, lavando louça, veio à minha mente uma ideia melhor: fazer uma série apenas sobre os radicais do movimento negro. Deste modo publico vários textos com assuntos mais específicos e comprimento mais amigável para uma plateia talvez acostumada às leituras fragmentárias do Twitter ou à rapidez das reportagens/colunas dos jornais. Aquilo que na postagem original seriam subtítulos agora serão títulos de postagens completas. Dividir para conquistar. 

Publicarei cada parte da série aproximadamente uma vez por semana (começarei daqui a duas semanas) e criarei a tag “SÉRIE RADICAIS DO MOVIMENTO NEGRO” para ficar mais fácil acompanhar postagens perdidas. 

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No canto direito da parte superior da página é possível cadastrar seu e-mail para subscrever este blog a fim de receber aviso sobre novas postagens, o que pode ser útil, já que não tenho uma regularidade para publicação. [Atualização: infelizmente esse recurso não está funcionando como o esperado. Às vezes o Feed envia e-mail avisando de novas postagens, às vezes não envia.] Mas tentarei ser disciplinada no caso da série sobre os radicais do movimento negro, e pretendo publicar um texto por semana – pois ao mesmo tempo em que anseio me enroscar nesse assunto e desdobrá-lo, quero também me livrar logo dele para escrever sobre amenidades. Tendo trabalhado neste blog só sobre a angústia, a forma que tenho encontrado de dar algum tom mais suave aos textos que venho escrevendo é inserindo uma gracinha, recomendando músicas, falando rapidamente sobre um desenho animado. Estou bem ciente de que o acachapante aqui, entretanto, é uma espécie de trevas à noite no subterrâneo que se alcança pelo ralo de uma fábrica de chucrute. Só que, ei, se você está lendo é porque você está querendo ler, ninguém está apontando uma arma para sua cabeça. (Está? Pisque duas vezes em caso positivo.) 

Então até logo. 

*** 

NOTAS (maiores que a postagem, realmente, e por que não?) 

1. Visonia é um projeto do chileno Nicolas Estany, que hoje mora em Varsóvia, na Polônia. Se não me engano, conheci por acaso dando chance a playlists de música eletrônica no Spotify. Essas playlists testadas no escuro já me deram o prazer de conhecer muitas coisas boas e de diversos gêneros. Como a Netflix, o Spotify peca por não ter uma grande seleção alternativa/underground, mas o custo-benefício de assinar ainda é excelente. 

2. Liberais dizem que socialistas/comunistas negam a natureza humana com suas teorias que parecem supor um homem virtuoso inventado. E esses liberais não fazem a mesma coisa? Parece-me também uma negação da natureza humana achar que uma civilização ótima, “a melhor de todas”, será erguida sobre regras mínimas e lemas fisiocratas. Muitas das conquistas que alcançamos enquanto sociedade evoluída se deveram a pessoas que decidiram meter o pé para frear a roda de tantas “liberdades econômicas”. 

2.1. Também há negação da natureza humana quando dizem que numa sociedade economicamente liberal “as pessoas vão se voluntariar para ajudar os necessitados, como hoje faz Bill Gates”. Evidências anedóticas de filantropia no mundo rico não são prova de que “a filantropia está dentro nós, basta que o Estado saia de cena para que ela aflore”. E como mostram alguns estudos, nosso impulso caritativo é falho e às vezes direcionado de modo pouco eficaz: pessoas que não dão 5 reais para ajudar uma comunidade de centenas que está passando fome são as mesmas que podem querer doar 50 se você pedir dinheiro para uma criança faminta específica apresentada na TV com nome, história e música emotiva de fundo. Ou seja, até para incentivar os outros à caridade você precisa ter conhecimentos apelativos da área da publicidade. É com esses irracionais que os necessitados terão de contar num mundo liberal? 

2.2. São engraçados alguns liberais. Gostam muito daquela citação de Adam Smith sobre o egoísmo salutar do padeiro, do cervejeiro e do açougueiro – que prestariam importantes serviços à sociedade motivados pelos próprios interesses –, e também se amarram no monólogo motivacional do personagem de Alec Baldwin (Blake) em O sucesso a qualquer preço (Glengarry Glen Ross, 1992), mas, por outro lado, creem que a bondade humana espontânea ajudará pessoas em situação de miséria num mundo liberal que não eliminou a pobreza. É com isso que contam quando tentam nos vender a ideia da utopia liberal como um paraíso. 

2.3. A esquerda, que não aceita ficar por baixo na patetice, leva a ferro e fogo as premissas dos filmes de Ken Loach e acredita que as pessoas pobres são todas coitadas massacradas pelos barões das grandes empresas. O pobre de Ken Loach é sempre um bom selvagem que é vítima do capitalismo selvagem. 

2.4. Geralmente sei separar arte de ativismo dramático. Gosto dos filmes do Ken Loach, apesar do que disse na nota anterior. 

2.5. Mas os liberais se erguem no ringue e dizem, sem corar, que se hoje Oprah Winfrey – mulher, negra, de origem pobre – é uma das mulheres mais ricas do mundo graças a seu esforço, qualquer mulher negra de origem pobre poderia fazer o mesmo. “Basta querer.” Vi um liberal inteligente e ponderado defendendo em longo texto que a superadora Oprah seria a prova do poder da força de vontade. Uma exceção. Todos estamos sujeitos a ter apagões no bom senso. Esse liberal, que faz muito mais bem do que mal às ideias que circulam na internet, não merece ser achincalhado por isso. 

3. Liberais e socialistas gostam de usar o povo brasileiro convenientemente, ignorando a extrema maleabilidade ilógica desse povo, mas não só. A Suécia também é usada dessa forma pelos dois lados. É um país rico, culto, bonito e feliz. Liberais atribuem o sucesso da Suécia a seu livre mercado, socialistas atribuem a seu forte Estado de bem-estar social. Quem está certo? Ao que parece, ambos os fanáticos mergulhados em suas utopias. A Suécia consegue dar certo com as duas coisas: facilidade para fazer negócios e proteção estatal dos desfavorecidos. 

Especulo que o segredo é cultural. Na cultura sueca, políticos são geralmente honestos e modestos, as pessoas confiam umas nas outras (porque sabem que podem confiar), são poucos os que usam malandragem para se beneficiar do Estado e dos seus pares. Um grande erro, que também já cometi, é olharmos para países de sucesso geral, escolhermos determinados pontos deles e acharmos que podemos colocar esses pontos dentro do nosso país – e que aqui eles dariam certo como lá. Isso é, na verdade, quase como pegar uma espécie animal que está muito bem-adaptada num local e levá-la sem ponderação para outro lugar: tende a não funcionar se outros fatores não forem considerados. O esquerdista que olha para a Suécia e pensa que devemos copiar seu Estado de bem-estar social esquece de observar como é a cultura (educação familiar, educação formal e caráter) do nosso povo. O liberal que olha para a Suécia e só vê livre mercado esquece de conversar com uma população que, em sua maioria, apoia o amparo estatal dos necessitados e sente orgulho de pagar os altos impostos que paga. 

Na Suécia os impostos que o povo paga são bem alocados em benefício de todos. Ou seja, parece que lá a cultura é propícia à arrecadação de impostos. Enquanto isso, no Brasil, não existe edição do programa Fantástico que não tenha no mínimo uma reportagem sobre corrupção, e o padrão é que os desvios sejam da ordem dos milhões de reais. Nossa cultura não é, no geral, adequada para que entreguemos dinheiro nas mãos de políticos e maus administradores. 

Para sair do fanatismo liberal e do fanatismo socialista que negam a natureza humana (no bem ou no mal) e exigem uma sociedade purista conforme suas teorias radicais, a melhor definição que encontrei veio do livro Economia: modo de usar – um guia básico dos principais conceitos econômicos, do economista coreano Ha-Joon Chang: 

“A história é útil para realçar os limites da teoria econômica. A vida é muitas vezes mais estranha que a ficção, e a história apresenta muitas experiências econômicas bem-sucedidas (em todos os níveis – países, empresas, indivíduos) que não podem ser perfeitamente explicadas por uma teoria econômica. Por exemplo, se você lê apenas publicações como The Economist ou The Wall Street Journal, só vai ouvir da política de comércio livre de Cingapura e de sua boa acolhida ao investimento estrangeiro. Isso pode fazê-lo concluir que o sucesso econômico de Cingapura prova que o livre-comércio e o livre mercado são os melhores sistemas para o desenvolvimento econômico – até que você fica sabendo que a quase totalidade das terras em Cingapura pertence ao governo, 85% da moradia é fornecida por uma agência governamental (o Conselho de Desenvolvimento Habitacional) e 22% da produção nacional vem de empresas estatais (a média internacional é cerca de 10%). Não há nenhuma teoria econômica – seja neoclássica, marxista, keynesiana, ou o que for – capaz de explicar o sucesso dessa combinação de livre mercado e socialismo. Exemplos como esse devem tornar o leitor mais cético sobre o poder das teorias econômicas e mais cauteloso em tirar conclusões de medidas práticas a partir delas.” (grifos meus) 

Discordo de alguns apontamentos opinativos que Ha-Joon Chang faz em seus livros, mas este trecho é perfeito e está no capítulo em que ele dá outros exemplos de países funcionais ou disfuncionais que desmistificam a pureza que liberais e socialistas demandam para as suas visões de mundo. Pretendo voltar ao autor quando tratar, num futuro distante, de utopias políticas e econômicas. 

4. A Suécia, com sua cultura de modéstia, honestidade, solicitude e lagom, parece muito mais adequada que o Brasil para o estabelecimento de um forte funcionalismo público. Aqui metade dos serviços públicos são mal prestados, uns trabalham muito para que outros façam o mínimo (e os que trabalham o mínimo tentam superestimar o próprio trabalhinho), aquele que depende desse serviço tem que contar com a sorte de ser atendido por alguém com boa vontade, crimes graves acontecem nas repartições e nenhuma penalidade é aplicada aos criminosos (no máximo são transferidos), a avaliação dos servidores não funciona e péssimos funcionários passam com tranquilidade no estágio probatório. A Suécia também é melhor que o Brasil na manutenção de políticos, como mostra o livro Um país sem excelências e mordomias, da jornalista Claudia Wallin. Lá os políticos utilizam transporte público, andam de bicicleta, têm o mesmo padrão de vida que a maioria da população. No Brasil desonesto, malandro, atrasado e preguiçoso, a política é carreira de negócios, nossos “representantes” passam anos sem aprovar nenhum projeto (alguns, quando aprovam, é aquilo: “criar o dia da onça-pintada”, “criar o dia do eletricista”), a roubalheira é a regra, não a exceção. Não sou favorável ao Estado mínimo, mas um país assim precisa, de fato, de menos Estado e de uma virada fiscalizatória no Estado. 

5. Como bem diz Ha-Joon Chang no livro 23 coisas que não nos contaram sobre o capitalismo, se liberais defenderem maior fluxo migratório entre países com a finalidade de proporcionar maior liberdade econômica, é possível que em muitos países ricos os trabalhadores percam seus postos de trabalho para imigrantes que trabalhariam por muito menos – e para entregar o mesmo serviço. Como o liberalismo pleno, que poderia corrigir alguma parte dessas disparidades, está muito distante – provavelmente nunca vai chegar –, ficamos nessa situação de que alguns empregos estão precarizados porque há quem aceite receber mixaria por eles. 

5.1. Mas antes que um esquerdista diga “ahá!”, pense no seguinte: certos empregos medianos, se melhorados em salário à força, simplesmente deixarão de existir. No Brasil qualquer um que ganha 3 mil reais por mês tem diarista. Na Suécia quase ninguém tem diarista, todo mundo faz o próprio serviço doméstico. Quando você fala para um sueco que no Brasil é comum que as pessoas tenham diaristas e empregados, ele fica surpreso, pois no país dele esse serviço é caro. Pergunto: se um grande grupo de diaristas brasileiras for à Suécia e cobrar 25% do que as poucas diaristas de lá cobram por esse serviço, será que os suecos começarão a utilizar mais esse tipo de serviço? Suecos têm a cultura do DIY (do it yourself), mas parte disso não se deveria ao fato de prestadores de serviços domésticos serem caros? 

5.2. Alguns esquerdistas têm demonizado a profissão de diarista/empregada doméstica no Brasil, alegando que ela é fruto de uma sociedade profundamente classista e racista. Também parecem manifestar algum desprezo pelas famílias que utilizam com frequência esse tipo de serviço. O que desejam? Acabar com essa profissão? Fazer com que a classe média despache suas diaristas e passe a limpar as próprias casas? Mas vocês já conversaram com as mulheres que dependem das colocações como diarista e empregada doméstica, hoje, para saber o que elas pensam do assunto, ou aqui esse tipo de “vivência” não conta? Certos liberais pensam que é melhor alguém ter o pior emprego possível a não ter emprego nenhum (e que não é papel de ninguém reivindicar melhoria de condições trabalhistas coletivas que tornem o legislado superior ao negociado), certos esquerdistas pensam que é melhor alguém não ter emprego nenhum a ter um emprego mais ou menos – mas depois vão cobrar “do sistema” a falta de emprego para as pessoas pobres. 

5.3. Esquerdistas que são contra Uber e iFood porque os consideram danosos ao trabalhador, mas utilizam esses serviços: vocês podem aumentar as gorjetas que dão aos funcionários dessas plataformas que os atendem. Parece piada, mas é grande a quantidade de esquerdistas avarentos que não ajudam ninguém com dinheiro do próprio bolso e querem que o Estado resolva tudo. Há coisas para o Estado resolver, claro, mas contribua fazendo com que sua ação seja condizente com seu discurso. Vocês não são contrários à desigualdade? Compartilhem mais seus bens com quem está em situação pior que a de vocês. Abram mais essas mãos. 

6. O liberal que diz que “todo emprego precário é melhor que emprego nenhum” chegaria a um operário adolescente da época Revolução Industrial, que trabalhava até 16 horas por dia, para dizer “é melhor esse emprego do que nenhum emprego”? Existe limite para o “emprego ruim é melhor que estar sem emprego” ou há um momento em que mesmo os liberais dizem “espera um pouco, acho que aqui as coisas começam a se tornar exploratórias e injustamente desiguais”? 

7. Liberais dizem que “o salário-mínimo é ruim porque deixa as pessoas pobres sem emprego, já que o Estado não permite que empresas as contratem para receber menos que o mínimo”. São os mesmos que são favoráveis à abolição do SUS para dar lugar à escolha privada de médicos e planos de saúde? Mas se no mundo liberal algumas pessoas devem “ter o direito” de receber menos que o salário-mínimo, que plano privado de saúde essas pessoas poderão pagar ganhando mixaria? O que os liberais teriam a dizer para esses trabalhadores que ganhariam 300 reais por mês e, assim, não teriam nenhuma condição de pagar um médico particular ou um plano de saúde para uma consulta básica? “Eles que lutem”? Temos muito a aprender com os liberais, mas lendo seus adeptos fanáticos e puristas parece que estamos lendo defensores de um tipo de darwinismo econômico. Ou de fato defendem que parte da população não tenha acesso a cuidados de saúde (nesta sociedade sem SUS e com salários de poucas centenas de reais), ou vivem aquela utopia de que “tudo vai se ajeitar por si só”. Temos que diferenciar esses dois tipos de liberais. O primeiro é pérfido, o segundo é um sonhador. 

8. Liberais que dizem que a CLT é ruim dando como prova sua origem na Carta del Lavoro de Mussolini: não parecem esses identitários que querem abolir as palavras por causa de etimologias supostamente negativas que ninguém conhece? Quer desgostar da CLT do cabo ao rabo, desgoste, a ignorância é sua, mas evite essa falácia da “origem” quando o filho não tem nada a ver com os crimes do pai. 

9. Por que Mises faz mais sucesso que Milton Friedman no Brasil? Porque é menos razoável, mais rancoroso e “joga pra galera”. Seu livro A mentalidade anticapitalista parece escrito por um rebelde pedante de 15 anos que simplifica o que deveria ser tratado com mais elaboração e que insiste, do início ao fim, em pôr na conta da “inveja” e do “ressentimento” as reivindicações esquerdistas. Assim Mises fecha o tema, porque qualquer coisa que esquerdistas digam contra projetos liberais – e contra o capitalismo – será “por causa da inveja”. Não que esses sentimentos não estejam muito presentes nos discursos de certos esquerdistas, mas deveríamos esperar mais profundidade de um teórico que move nossos jovens. (Talvez os mova justamente por causa dessa fuleiragem.) Mises não apenas cita a inveja: ele tem obsessão nela como explicação para qualquer esquerdismo. A mentalidade anticapitalista, que é referência para muitos, é um panfleto ruim, mal escrito (além de mal revisado pela Vide Editorial) e moleque. Até Marx escreveu um panfleto melhor. 

10. E o pior de Milton Friedman? As explicações furadas sobre como seriam as proteções ambientais num modelo de sociedade liberal. 

11. “Arma na cabeça” é um jogo que faço com meu namorado e com colegas para colocar duas opções extremas diante deles e obrigá-los a escolher. É um joguinho bobo, mas revelador ao nos forçar a graduar os males de duas opções. “Tem uma arma na sua cabeça: Russomano ou Boulos para a prefeitura de São Paulo?” OK, Boulos. “Tem uma arma na sua cabeça: Bolsonaro ou Weintraub para Presidente?” Pode atirar. Mentira, quando meu namorado me desafiou nisso escolhi Weintraub porque pesei a seu favor o fato de não ter filhos na política e não ter tido longa carreira política. Não me julguem. A situação é extrema, o jogo obriga a escolher e pensem que se eu escolhesse Bolsonaro vocês também me julgariam. Aprendam a brincar e tenham bom senso. A graça do jogo é justamente ter que escolher entre duas coisas abomináveis (Bolsonaro e Weintraub, por exemplo). 

11.1. “Arma na cabeça” não dá certo com gente sem graça que não embarca em brincadeiras e vai falar “nenhum dos dois” para todos os desafios. Não consegue imaginar a pressão da arma na cabeça obrigando a escolher e lança um balde de água fria em quem quer animar a festinha com jogos polêmicos. Provavelmente é alguém que está bebendo Coca-Cola diet, gosta de conversar por horas sobre tesouro direto, vê jogo de futebol com a emoção de quem espera o ônibus enquanto assiste a um caramujo atravessando a rua e opina que Sambô “tem o seu valor”. 

11.2. Sambô é o grupo de farofeiros que transformou aquela música do U2 sobre o episódio do Domingo Sangrento na Irlanda do Norte num pagode cheio de alegria, sedução e aura “só no sapatinho”. Isso é de conhecimento generalizado. Mas recentemente descobri que eles também limparam seus intestinos em cima da música “Você abusou”, de Antônio Carlos e Jocáfi, conhecida na interpretação melancólica e dolorida de Maria Creuza. Agora toda vez que ouvimos essa linda música aqui em casa também lembramos do equívoco, da desgraça e da falta de vergonha na cara da versão do Sambô. 

12. Em 15 de outubro fez 80 anos que o filme O grande ditador (The great dictator, 1940), de Charlie Chaplin, estreou no cinema de Nova York. Esta reportagem da Deutsche Welle, na Folha, conta um pouco da produção do primeiro longa falado de Chaplin. Sempre tive dificuldade de eleger meus filmes favoritos, mas há um tempo venho trabalhando nisso e consegui chegar a algumas conclusões. E O grande ditador está entre meus filmes favoritos. 

13. A melhor seleção de filmes que conheço em plataforma de streaming é a do Telecine, que, aliás, tem um ótimo aplicativo para a TV. Há vários filmes de Ingmar Bergman, Hitchcock, Fellini, além de muitos filmes de cinema alternativo. Achei incrível a quantidade de filmes iranianos que estão disponíveis para ver imediatamente com imagem de qualidade e boas legendas. Recomendo. E O grande ditador também está lá.

quarta-feira, 8 de julho de 2020

Compilado de parasitologia humana, parte III: assuntos retomados; e o bolsonarista



Se o vaso não está limpo, azeda tudo que nele ponhas.”
– Horácio

Às vezes tenho a impressão de que este compilado não terá fim, pois guardo uma extensa lista de tipos para escarafunchar ainda: o defensor de Cuba que não vai a Cuba, Manuela D'Ávila, o fixado, o bajulador, o puxa-saco, o esquerdoso, o direitoso, o isentão – aqui dentro estão o isentão político e o agnóstico –, o modista, Nassim Nicholas Taleb, o corporativista, o típico funcionário público, o afetado pelo efeito pós-palestra, o cínico, o moralista antiquado, o limitado – aqui dentro estão o mainstream e o nostálgico –, a feminista da quarta onda, o feministo, o infeliz – aqui dentro estão o deprimido e o inseguro –, o dissimulado, o psicanalista de tudo, o avarento/mesquinho, o politicamente corretíssimo, o politicamente incorretíssimo, etc. Publico agora sobre o bolsonarista, que é bastante fácil de apontar e execrar. Na próxima publicarei sobre o radical do movimento negro, que se tornou assunto pisando-em-ovos-na-loja-de-cristais porque vivemos um momento autoritário em que apontar negros de esquerda falando absurdos é chamado de racismo. Segundo os radicais, pessoas negras são, agora, sagradas como um deus – você não pode contestar deus, você não pode contestar pessoas negras –, e é blasfêmia tratá-las como iguais no debate de ideias. Sobre isso, duas antecipações: 

1. Nem tudo de ruim que acontece a um negro é racismo. Compreender isso também é “empoderar-se”. São os inseguros que acham que todas as coisas negativas que lhes ocorrem têm explicação no motivo das suas inseguranças: 

– Lúcio, desculpe, li sua declaração, mas só gosto de você como colega de sala. 
– Não me quer como namorado porque tenho muitas espinhas. 
– Não, é porque não estou apaixonada por você. 
– Sim, porque tenho muitas espinhas. 
– Lúcio, eu nem penso nas suas espinhas. Só que nós não temos nada a ver um com o outro. 
– Porque eu tenho muitas espinhas e você não tem espinhas. 
– Não, são os nossos gostos de leitura, gostos musicais… Mal temos assunto e eu não sinto nada por você, desculpe. 
– Se eu não tivesse espinhas você gostaria de mim? 
– Quê? Não, isso não tem nada a ver com suas espinhas! Acontece que estou apaixonada pelo Afonso, pronto, é isso! 
– É claro que está apaixonada pelo Afonso, ele não tem espinhas. 
– Por favor… Eu já namorei um cara que tinha mais espinhas que você. 
– Isso não prova que gosta de espinhas. 
– “Gostar de espinhas”, que papo é esse? Eu gosto de pessoas. Algumas das pessoas que eu gosto têm espinhas, outras não têm. E isso não faz diferença pra mim. 
– Eu tenho espinhas. Você não quer me namorar. Logo, não gosta de espinhas. 
– Está gazeando as aulas de lógica? Isso não faz nenhum sentido. 
– A sociedade rejeita pessoas com espinhas, Kátia. 
– Realmente há algumas pessoas estúpidas que não gostam de outras por causa de suas espinhas, mas é bem radical você dizer que toda a sociedade rejeita pessoas com espinhas. 
– Você não entende. Você não tem espinhas. 
– Muitas coisas ruins já aconteceram comigo “na sociedade” mesmo eu não tendo espinhas. Já perdi boas vagas de emprego, já fui demitida, um ex-namorado me trocou por outra, tive um empréstimo recusado no banco, colegas de trabalho me perseguiam. Você não pode atribuir tudo que te acontece de ruim às suas espinhas. 
– Se você não tem espinhas, não deveria opinar sobre o assunto do alto do seu privilégio. 
– Privilé…? Olha, tenho que ir. Você tem mais alguma coisa a dizer? 
– Espinhas. 

Coisas ruins acontecem a pessoas negras por causa de sua cor? Sem dúvida. Tudo de ruim que acontece a um negro é por causa da sua cor? Não, nem de longe. Cuidado com a paranoia.

Selo nonsense de certificação de paranoia:
paranoia auditada pelo ratão roxo

Nem sempre você deixa de ganhar uma promoção “só porque é mulher”. Nem sempre você é interrompida por um homem “só porque é mulher”. Nem sempre seu livro não está vendendo “só porque você é negro”. Nem sempre seu professor te deu nota baixa num trabalho de filosofia “só porque você é negro”. Nem sempre não quiseram ser seu par “só porque você é gordo”. Nem sempre você foi rejeitado na vaga de emprego “só porque você é gordo”. Nem sempre as pessoas dizem que você é falso “só porque você é gay”. Nem sempre esqueceram de tirar a cebola do seu pedido “só porque você é gay”. Nem sempre.

2. Uma boa leitura por enquanto, em inglês, é o artigo Stories and data: reflections on race, riots and police, do jornalista Coleman Hughes para o City Journal. Ah, sim: por acaso Hughes é negro. Isso poderia ser um trunfo seu para falar com propriedade sobre o assunto da violência policial nos Estados Unidos e dos dados sobre negros mortos por policiais, mas como ele não toma um lado apaixonado a favor da desinformação identitária, provavelmente seria chamado, no Brasil, de “capitão do mato”. Seu texto longo poderia se aprofundar em alguns pontos que mereciam ressalvas, mas para um artigo jornalístico que mais inaugura questões do que as perscruta está bastante adequado. 

Para que este blog não fique preso à parasitologia humana, depois dessas escreverei sobre alguma outra coisa – edições de livros, memórias televisivas e cinematográficas – e aos poucos retomarei este instrutivo compilado, to infinity and beyond

***

Antes de colocar luvas para tratar de bolsonaristas, gostaria de retomar alguns temas abordados nas partes anteriores desta série. 

Na primeira parte do compilado fiz uma introdução aos parasitas cimentando certas motivações para a misantropia com um tanto de Schopenhauer e um tanto de Erving Goffman. O primeiro, certamente um misantropo de alto grau. O segundo, não sei, pois discretíssimo, mas suas análises detalhistas dos jogos humanos abrem o caminho para uma vida mais reservada quanto aos relacionamentos. Tratei de várias categorias a nos importunar principalmente nas interações mais comezinhas do cotidiano, como o urubu, o entediado, o adaptado, o esnobe, o Ronaldo Ésper tácito, dentre outras, e depois passei quase um ano sem escrever. 

Na segunda parte do compilado fiz uma curva acentuada para questões políticas, e tratei apenas do pós-moderno porque havia tanto a descascar sobre esse sujeitinho fedorento. O texto parece longo para o habitual em blogs, mas é curto: o pós-moderno rende desenrolares para um livro de 500 páginas, no mínimo, e espero que um dia alguém acorde e escreva esse calhamaço que está só à espera de ser materializado. Atuei em algumas frentes nas quais ele se intromete: 

A linguagem – Discursos pós-modernos têm um estilo característico que é uma viagem ruim após mergulho numa xícara de chá de cogumelos ao som de uma música depressiva do Pink Floyd tocada ao contrário. São confusos, lembram a louca no MTV na Rua, não fazem sentido. Quando adeptos desses gurus querem que seus discursos façam sentido na marra, viram-se do avesso para explicar todos os fios perdidos que levariam, supostamente, a um significado que estava oculto sob códigos ultrassecretos, inclusive sob equações matemáticas. O jogo número 1: pegue um inédito texto pós-moderno na linguagem, entregue para cinco “especialistas” nesse modelo de escrita ou no autor do texto, tranque-os em cinco quartos diferentes, peça que expliquem o texto de acordo com toda a bagagem que já têm – se precisarem de livros para organizar as referências, podem pedi-los deixando um bilhete por debaixo da porta –, impeça-os de se comunicarem entre si ou requerer a ajuda de outros universitários. Passadas algumas horas ou dias, reúna-os e demande que cada um apresente sua interpretação. Esteja bem alimentado e não marque compromissos tão cedo, porque essa reunião vai demorar. Não será uma mera divergência de visões. O jogo número 2: faça tudo isso, mas entregue para os participantes um texto pós-moderno forjado alucinante e assegure que é do autor que os especialistas admiram. Despache-os para os quartos. Aguarde a reunião acontecer e faça uma aposta com seus colegas nos bastidores para tentar adivinhar quantos especialistas dirão “não estou surpreso com esse texto redescoberto de X, que é tão de seu estilo e ideias” e quantos dirão “esse texto de X não faz nenhum sentido e duvido que X o tenha escrito”. Por que a TV aberta não cria essa espécie de entretenimento? Não sei. Trata-nos como se fôssemos o Homer Simpson. 

Os estereótipos – Pós-modernos travam várias batalhas contra os estereótipos, mas só contra aqueles que sua ideologia permite. Em 26 de junho o extremista Guilherme Boulos escreveu em seu Twitter: “Idosa em situação de escravidão foi resgatada em bairro nobre de SP. Trabalhava há 20 anos e estava sem acesso a banheiro. Família fugiu da casa de madrugada. A elite brasileira está presa no século 19!” Também não tenho muita simpatia pela figura estereotipada da elite brasileira – mesquinha, pedante, falsa –, mas daí a dizer que ela, como grupo unificado, quer reativar a escravidão há uma boa distância. Se ficar comprovado que a idosa vivia em regime de trabalho análogo à escravidão – atentar contra inúmeros direitos assegurados pela CLT aos trabalhadores não necessariamente desemboca na tipificação de escravidão –, a parte da elite brasileira que acumula bens, mora em bairros de altíssimo padrão, hospeda-se no Copacabana Palace, mas tem pena de pobres, romantiza o socialismo e por isso vota no PSOL – essa elite já pode ir à varanda de Boulos com cartazes de “not in my name”. 

É sabido o receio que tenho não somente à religião muçulmana, mas à cultura repressora que povos muçulmanos costumam cultivar sobre mulheres, homossexuais e ateus. Ainda assim é dever decente separar as coisas: além de existirem muçulmanos excepcionais que discordam da repressão a mulheres, homossexuais e ateus, a maioria dos muçulmanos não pactua com atentados terroristas. No auge dos atentados terroristas na Europa causados por fanatismo islâmico, muitos muçulmanos foram às ruas sob os dizeres de “not in my name” para não serem associados a terroristas. Justo. Na mesma época circulou um meme na internet encabeçado pela pergunta: “qual é a diferença entre o muçulmano fanático e o moderado?” Embaixo, havia dois muçulmanos: o primeiro, fanático, dizia “ou você segue o meu Alá ou eu te mato”; o segundo, moderado, apontava para o fanático e dizia “ou você segue o meu Alá ou ele te mata”. Quem fez circular essa ilustração queria dizer que o muçulmano moderado era responsável pelo terrorismo do muçulmano fanático, como se devesse fazer algo a respeito, ou se tornaria cúmplice. 

Não é certo e não é nada razoável sermos apontados como responsáveis por elementos exóticos e incontroláveis que surgem dentro do nosso grupo, especialmente quando esse grupo é composto por inúmeras pessoas às quais não temos acesso. Sou vegana por razões éticas e porque acredito que no tempo em que vivo e na localização na qual vivo essa opção é viável. Devo ser responsável pelo casal vegano de Palhoça que matou seu bebê de desnutrição porque o alimentava só com água de coco batida com castanhas, sementes de girassol e aveia? Devo estar associada a veganos como Patricia Steere, retratada no documentário da Netflix A Terra é plana (Behind the curve, 2018), que é uma terraplanista famigerada a misturar direitos animais com essas sandices? Não tenho nada a ver com essas pessoas e não tenho acesso a elas para demovê-las de maluquices. 

E mais: católicos liberais são responsáveis pelos radicais dentro dessa religião que aplicam a ferro e fogo os ditames do Catecismo, condenando ao inferno quem se masturba e quem faz controle de natalidade artificial por meio de pílula e preservativo? Todos os católicos são responsáveis por uma aberração maníaca de inspiração militar como os Arautos do Evangelho? Pessoas pobres que moram em favelas por falta de opção são responsáveis pelos traficantes que dominam seus morros? Todos os hippies foram responsáveis pelos crimes de Charles Manson e seu bando hippie? Brancos são todos responsáveis pelos poucos grupos de supremacistas que se reúnem em países da Europa ou nos Estados Unidos? Liberais têm que responder pelas ideias dos anarcocapitalistas? Homens que trabalham, estudam, vão à feira, dividem as tarefas domésticas com a esposa e cuidam do jardim são de alguma forma responsáveis pelo comportamento criminoso de Champinha, Roger Abdelmassih e João de Deus? Todos os médicos são responsáveis pelas falas de Osmar Terra e pelas atitudes do Dr. Bumbum? 

Como defendi na parte II deste compilado, os esterótipos muitas vezes têm alguma razão de ser. Você sabe em que áreas da sua cidade tem uma chance maior de ser assaltado. Você sabe por que sente medo quando percebe que o Waze te fez cortar caminho por dentro de uma favela. Você consegue adivinhar com alta probabilidade de acerto que tipo de feminismo é defendido por uma mulher de cabelo multicolorido usando uma camiseta onde se lê “lute como uma garota”. Um homem negro sabe em quais regiões do país sua cor passará quase despercebida e em quais isso será um fator de alteração de comportamento dos outros para consigo. Se você for incumbido, pelo seu chefe, de fazer tratativas com os donos de uma empresa japonesa que só tem homens na alta hierarquia, você supõe, com relativa segurança, que não será recebido de maneira acalorada e que é melhor moderar as piadas que estava preparando para quebrar o gelo. Você sabe que é baixa a probabilidade de alcançar alguém com profundidade no clube de mães da terceira idade ao pausar seu crochê para levantar a questão: “como é que o povo de Roma pôde tolerar Nero por tanto tempo?”. Você sabe que é melhor não fazer movimentos bruscos perto de um policial, especialmente se você for jovem do sexo masculino, negro e estiver mal vestido. Uma mulher sabe que é melhor não se sentar sozinha na mesa de um restaurante de beira de estrada se não quiser ser importunada por olhares e papo furado. Você sabe (ou deveria saber) que contar segredos para seu cabeleireiro espalhafatoso não é uma boa ideia. Você provavelmente se sente mais confortável em deixar seus bebês sob os cuidados de uma professora mulher do que de um professor homem. 

Esses estereótipos não necessariamente surgem porque a maioria dos membros do grupo ou do local estereotipado apresentam a característica marcante, geralmente negativa, que lhes é atribuída por associação rápida. Às vezes é uma minoria – mas uma minoria que causa efeito –, às vezes o estereótipo surge por comparação: homens são considerados menos aptos a cuidar de crianças porque são comparados a mulheres, que já têm tradição nesse tipo de cuidado; favelas são consideradas lugares perigosos porque o índice de criminalidade nelas é maior do que em áreas ricas das cidades. 

Mas além de mostrar que muitos estereótipos têm alguma razão de ser, também defendi que eles devem ser usados com parcimônia justamente para que não geremos problemas objetivos para pessoas que não merecem ser associadas a uma pecha ruim que não conseguem controlar. Veganismo é sobre animais. Se um grupo vegano do interior de São Paulo tenta entrar em contato com extraterrestres por ondas de rádio, traja antenas artesanais e é contra todas as vacinas, isso não diz nada sobre todos os veganos ou mesmo sobre o veganismo. Não sou responsável por malucos e o veganismo não é um clube fechado que faz avaliação de candidatos a membros. 

Todos criamos estereótipos e somos vítimas de estereótipos. Alguns geram riso, outros geram danos, há ainda os que não geram nada. Sobre riso e dano, duas experiências pessoais: 

Estereótipo pessoal risível: nasci com sobrepeso e desde então o sobrepeso é parte de mim. Se me virem em alguma foto de corpo inteiro e parecer que estou magra, é porque a foto foi tirada do ângulo errado. Mas mesmo tendo passado por um período de obesidade – situação que meus joelhos, minha coluna e a parte interna das minhas coxas agradecem por ter sido só uma fase –, nunca fui sedentária. Sempre caminhei muito: minha casa em Blumenau fica no pico de um morro íngreme onde o transporte coletivo não sobe; meus pais demoraram a ter dinheiro para comprar um carro e mesmo quando o carro foi comprado ninguém nunca pensou que a princesa merecia ser buscada de Fusca ou de Uno na escola, a menos que estivesse doente. No ensino médio passei a estudar num colégio que ficava ainda mais longe da minha casa: 3 quilômetros de ida a pé, 3 quilômetros de volta. Minha mãe às vezes me dava um ou outro passe de ônibus para os dias de muito cansaço ou chuva – alguns eu usava, outros eu trocava em mercados alternativos: num sebo, troquei um passe de ônibus escolar pelo Trópico de Câncer, do Henry Miller, naquela versão mais vagabunda. Minhas caminhadas frequentes eram para poupar dinheiro, por hábito e às vezes para pensar nas coisas. Mas como tenho sobrepeso as pessoas sempre acharam que eu devia ser sedentária, e isso já gerou algumas situações bizarras que parecem fanfic. Uma vez um colega de trabalho me perguntou o que eu tinha feito no final de semana. Falei algumas coisas, e dentre elas: “no sábado caminhei 11 quilômetros”. Ele disse: “ô, loko, não é possível”. Eu disse: “claro que é possível, sempre faço essa caminhada e uso um pedômetro para calcular o percurso”. Ele: “deve ter alguma coisa errada com o seu pedômetro, de que marca é?” Eu: “é um pedômetro que está no meu celular”. Ele: “ah, mas um celular assim não vai ter um bom pedômetro”. Eu: “nem precisaria do pedômetro, pois essa caminhada dura sempre cerca de duas horas – basta você imaginar quanto uma pessoa normal consegue caminhar em duas horas”. Ele: “posso testar seu pedômetro?” Eu: “claro”. Então ele começou a caminhar para lá e para cá pelo corredor com o meu celular para testar o pedômetro. Voltou convencido, mas não por inteiro: parecia achar que a história era mal contada. Ele era corredor do tipo que participa de competições e deve ter passado nossa vida profissional até aí pensando “legal a Barbara, mas bem que poderia fazer uns exercícios” porque tinha uma visão estereotipada de pessoas com sobrepeso. E seu preconceito tem razão de ser: a probabilidade de pessoas com sobrepeso e obesas serem ativas é menor do que a probabilidade de pessoas magras serem ativas. Reunir dez vídeos de pessoas gordas plantando bananeira e dando cambalhotas é evidência anedótica: se mesmo entre magros a proporção de sedentários é grande, entre gordos essa proporção é muito maior. 

Antes que algum justiceiro se levante e grite “mas que cara tóxico!”, sempre simpatizei muito com esse colega e seus erros pontuais não estragavam minha estima por ele. Outro erro era quando me encontrava com camisetas de bandas de punk ou metal e fazia hang loose. Outro erro foi quando disse que havia incoerência da minha parte em ser vegana e, na época, fumante – e ele não estava dizendo isso pelo fato de muitas marcas de cigarro fazerem testes em animais. 

Estereótipo pessoal danoso: fui criada numa das regiões mais pobres de Blumenau, numa área conhecida como Beco Araranguá e que abriga milhares de famílias. A maioria dos moradores era do que chamamos “trabalhadores honestos”, mas como o índice de criminalidade ali era grande comparado com o restante da cidade – rostos conhecidos apareciam no jornal como presos por tráfico de drogas e até latrocínio –, estava criado o estereótipo. Fazia sentido, mas todos tínhamos que pagar por ele. Quando nossos moradores iam a entrevistas de emprego, evitavam dizer exatamente onde moravam porque isso poderia lhes custar a vaga. Quando estudei em colégios particulares – minha mãe conseguia bolsas de estudo que abatiam 2/3 das mensalidades –, lembro de evitar entrar em detalhes sobre onde morava porque a informação gerava certo agito e comoção: “meu, você mora no Beco?”. Se cometesse um deslize, isso seria explicado pela delinquência de onde eu morava. Hoje nossa fama parece melhor, mas ainda estamos estigmatizados. Ao revelar onde moram, pessoas da área são perguntadas se “moram muito lá pra dentro” – justamente porque se pensa que quanto mais para dentro, mais problemática a região fica. 

Quando Guilherme Boulos pinça um caso isolado de suspeita de trabalho escravo numa casa da elite paulistana e diz que “a elite brasileira está presa no século 19”, tenho quase certeza de que no fundo ele sabe que essa sentença é exagerada e não corresponde à realidade da imensa maioria da classe média alta do país. Mas para seu projeto de poder que é rascunhado com o grafite da ignorância e passado a limpo com a tinta do ódio, faz sentido arquitetar um estereótipo que alimenta posturas do tipo “nós contra eles”, incentivando conflitos. Se muitos estereótipos fazem sentido, há alguns que são orquestrados por ideólogos sórdidos que só conseguem mover massas quando inventam um inimigo monstruoso e simplista que representaria tudo que há de mau no mundo. Boulos tem a elite. Bolsonaro tem os “comunistas”, e quase todo mundo que ele expurgou passou a ser um “traidor comunista” – para com esse carimbo rápido não dar chance aos membros de sua seita de se perguntarem se o expurgado não seria um injustiçado. 

O gênero – O que nós hoje chamamos de gênero é uma mistura de natureza com cultura. É da natureza que o gênero feminino se oriente de uma forma e o gênero masculino se oriente de outra – somos algo programados –, mas é da cultura que certas cores e cortes indumentários estejam associados à mulher e certas cores e cortes estejam associados ao homem. Outras manifestações culturais divididas por gênero podem ser construção social, e mesmo assim isso não apaga que seu surgimento possa ter sido influenciado pela natureza. Por que na transição do estado de natureza para o estado misto de natureza e cultura a primeira não poderia induzir o desenvolvimento da segunda? Parece fazer tanto sentido que é difícil pensar que seria diferente, e é possível que até hoje tenhamos hábitos culturais trazidos de longa data por influência do que funcionava na natureza. 

Ninguém está obrigado a apreciar tudo que a natureza traz – não gosto de menstruar –, assim como ninguém está obrigado a apreciar as determinações culturais do grupo a que pertence – não gosto do hábito brasileiro de forçar intimidade com estranhos –, mas isso não quer dizer que devamos construir pessoas do zero apagando sua natureza, quebrar toda a cultura “hegemônica” que nos foi imposta, revolucionar tudo e todos. Como diz um personagem do dramaturgo Destouches, “expulsai o natural e ele voltará a galope” (referência: Dicionário universal Nova Fronteira de citações, com seleção de Paulo Rónai). Pós-modernos parecem querer esse exorcismo da natureza. Quem não os freia acreditando que suas pautas são progressistas e por “um mundo melhor” pode acordar um dia no meio dos escombros e não entender como é que a situação chegou àquele ponto. Não fazemos bem algum dando poder – político ou acadêmico – a loucos e radicais. Além de suas ações serem muito ruins, as reações a elas podem ser igualmente perversas. A terceira Lei de Newton se aplica também no caso desses movimentos: a toda ação corresponde uma reação de igual intensidade, mas atuando no sentido oposto. A reação pode até demorar, mas vem. Quando a esquerda enlouquece, a direita embrutece. E vice-versa. 

A proteção de fronteiras – Ilude-se quem pensa que a teorização da abolição das fronteiras seja coisa apenas de bicho-grilo ou anarquista que dá palestras gratuitas na madrugada usando o que leu nas vinte primeiras páginas de algum livro do Bakunin. Há doutores – título às vezes esvaziado que será assunto para o futuro – defendendo essa ideia estapafúrdia. Fronteiras protegem nossos valores, certas identidades, asseguram que um déspota do outro lado do mundo que não faz ideia do que sejam os direitos humanos não possa invadir nosso agrupamento para impôr seus caprichos. Fronteiras trazem segurança nos países democráticos. (Já nas ditaduras da Cuba de Fidel e da Coreia do Norte dos Kim, onde funcionam como prisões, trazem agonia.) E elas são tão naturais que, logo que fossem abolidas mundialmente, em pouquíssimo tempo as pessoas dariam um jeito de criar outras fronteiras, reais ou imaginadas, para se proteger dos demais que as ameaçam. Não adianta: derrube fronteiras e fronteiras logo reaparecerão. 

Além de natural, o princípio delas é universal e mesmo quem propaga seus males acaba, ironias da vida, formando fronteiras. Com os desdobramentos dos protestos pelo assassinato de George Floyd por um policial desequilibrado – que pelo seu histórico anterior a este caso já deveria ter sido retirado da polícia ou colocado para lamber selos num setor administrativo –, grupos radicais aproveitaram o momento para se propulsionar. Num bairro de Seattle, no estado de Washington, anarquistas, antifas e outros protestantes criaram uma área chamada Capitol Hill Autonomous Zone, a CHAZ. É uma área autônoma que não pertenceria mais aos Estados Unidos e começou ocupando cerca de seis blocos do bairro. Tenho certeza de que muitas das pessoas que habitam ali passaram parte da juventude execrando fronteiras – e agora criaram esse Estado autônomo dentro de outro país, uma espécie de Vaticano pós-moderno, que estão protegendo não só com fronteiras severas, mas com armas. Encantador. Quero ver Alexandre Versignassi, diretor de redação da Superinteressante que é a favor da abolição de fronteiras, tecendo comentários sobre esse, digamos, “retrocesso” da turma da CHAZ. 

Na entrada da CHAZ está escrito: “You are entering Free Capitol Hill” e “You are now leaving the USA”. Poderiam escrever também: “Você está ultrapassando uma fronteira para entrar em nosso território sem fronteiras”. 

E agora, Godofredo, por favor, traga as minhas luvas. 


BOLSONARISTA 

Na primeira vez em que citei Bolsonaro neste blog, em 2017, foi para dizer que criticá-lo era chutar cachorro morto. (Uma expressão especista, mas útil. Não chutem animal nenhum que não esteja ameaçando.) Dada a evidência da aberração que era, considerei que perderia tempo e energia para tratar de uma obviedade. Obviedades precisam estar na pauta dos debates públicos, mas não há muito desafio em abordar o que já é suficientemente abordado por tantos profissionais e opinadores. Minha preferência é falar dos elefantes que invadem as salas, quebram os móveis, trocam a música sem consultar ninguém, sentam no colo do avô moribundo na poltrona – e todo mundo finge que não está vendo. Ou pensa “mas não está em extinção? Vamos deixar que faça o que quiser, coitado”. Os vândalos que escrevem livros para propagar que “se ensaios opinativos de mulheres negras não forem aceitos como ciência na universidade é porque o racismo ainda tenta colonizar essas mulheres negras” [paráfrase sintetizadora] e são aplaudidos ao escrever isso e dezenas de impropérios mais: eles merecem mais apreciação e julgamento, neste blog, do que a concretização em pessoa do esgoto no qual o brasileiro pula, pois toda a imprensa profissional já detona Bolsonaro diariamente. Infelizmente é a mesma imprensa que joga a honra de “ponderada” na lata de lixo ao fingir não ver outros elefantes que estão causando estragos em ambientes menos óbvios do que o Palácio do Alvorada. 

Também chamei Bolsonaro de “alvo muito fácil”. Continua sendo alvo fácil, mas na época não imaginei que pudesse se tornar Presidente da República, esforçando-se para andar em cima de duas patas, e a partir daí – a partir do momento em que deixou de ser só um sujeito distante defendido por fanáticos e passou a afetar as vidas de milhões de brasileiros – esse senhor merecia mais atenção para que pudéssemos sensatamente repudiá-lo. Quando um homem acha que inteligência é decorar a tabuada, mas não sabe calcular aumentos percentuais no desmatamento porque isso exige algum raciocínio; quando um homem é devotado à baixaria e mesmo assim consegue posar de defensor da família e dos bons costumes; quando um homem é preguiçoso e apesar disso assume posição de liderança; quando um homem é um incompetente que não conseguiu chefiar uma família e não teria capacidade intelectual nem de administrar como síndico um prédio de dois andares; quando um homem tem inúmeras características de tiranos e já demonstrou que só não executou pessoas e não deu um golpe no país por falta de apoio; quando um homem usa cargos de poder para se vingar de quem o prejudicou pessoalmente, como um fiscal do IBAMA; quando um homem trata minorias como quinta categoria que não merece direitos; quando um homem deseja no mínimo um conflito por dia para provar “quem manda” e sente prazer em ver os circos pegando fogo; quando um homem tem histórico de contratação de funcionários fantasmas e convence multidões com sua bandeira furada de anticorrupção; quando um homem não é atacado pela crise, mas é a própria crise – quando esse homem alcança o teto do Executivo e permanece lá, é impossível não falar sobre ele. Quem não fala sobre ele deve estar em um poço de alienação ou gostando do que vê. Ou “não vendo nada de mais”, mas daqui a pouco chegaremos com mais jeito nesse tipo de sonso de má-fé. 

Ver Bolsonaro ser premiado com o maior cargo político do país é ultrajante sob diversos ângulos. Não existe perspectiva em que apareça como uma boa opção, antes, durante ou depois. Quando acerta, é pelas motivações erradas ou por acaso, como num jogo de azar. Em tempo de campanha, o músico Lobão disse que votaria nele porque “foi o único que não foi testado ainda”, dando a entender que as outras opções estavam descartadas porque maculadas pela carreira política. O planeta de onde veio Lobão deve ter umas leis bem extravagantes, porque ele chega nesta Terra e age como uma pipa sem guia, movido por ventos estranhos que o obrigam a danças pitorescas no céu. As pessoas presas ao solo olham para a pipa desgovernada e não conseguem prever para onde vai dessa vez. Nos dias de chuva Lobão murcha e se recolhe, mas logo está de volta para alvoroçar os jornais e até o Roda Viva, que lhe dá uma atenção inexplicável como opinador de atualidades. O fato é que Bolsonaro foi peso morto por quase três décadas na Câmara dos Deputados. Em 26 anos, apresentou 171 projetos de lei e teve somente dois aprovados. Os contribuintes pagamos para que esse vadio não fizesse nada de útil, tratasse a coisa pública como privada e tivesse coerência apenas em atrações de fim de noite que cativavam gente cansada à procura de entretenimento fácil e zoado, como SuperPop e Pânico na TV. Naquela época coisas bizarras tinham seu lugar bem encaminhado nos programas televisivos e não dava para imaginar que receberiam espaço nos jornais sérios em nome “da pluralidade das ideias”, que é a posição insensata da CNN, hoje, ao convidar para “mostrar seu lado” gente como Daniel Silveira. Se ligo a TV aberta num programa sensacionalista e depois de um desfile de lingerie, uma coreografia do Léo Aquilla, uma análise ressentida de um BBB recém-eliminado a respeito de “edições injustas que não mostraram meu verdadeiro eu” e propaganda de shakes emagrecedores surge o deputado Bolsonaro para uma entrevista, parece que está tudo nos conformes. Lá era seu lugar. Aí de repente um surto toma conta do Brasil e esse mesmo homem passa a ocupar a Presidência da República. Que salto foi esse? Se a trajetória infame e malandra de Bolsonaro enquanto deputado por décadas não foi suficiente para Lobão perceber que ele já tinha sido testado, e por tempo demais, há que se levar o cantor a uma universidade e estudá-lo num laboratório. O pior funcionário do seu almoxarifado – aquele que come sanduíches com muita maionese em cima do teclado, faz imitações de equinos, sempre reclama de dores quando um serviço aparece e passa a maior parte da jornada batendo papo furado –: você acha que ele pode brilhar se lhe for dada a oportunidade de “ser testado” num cargo de liderança no topo da empresa? Ninguém que bem administra um negócio ou uma instituição pública faz isso de promover uma nulidade. Mas os brasileiros acham que é uma lógica que pode funcionar na política. 

A educação e a maturidade emocional do nosso povo são tão baixas que alguns políticos sabem se aproveitar disso para criar conexões. Fazemos julgamentos enviesados positivamente a respeito de pessoas com as quais nos identificamos, como mostram estudos de psicologia social, e essa característica de seres humanos que evitam a autoanálise é usada por espertos da persuasão para conseguir benefícios em seu proveito. Veja ambientes corporativos. Algumas vezes não são os melhores profissionais que são reconhecidos, respeitados e considerados essenciais, mas os profissionais que conseguiram criar conexões com as pessoas de poder dentro do ambiente. Os bons líderes percebem a jogada e pulam fora da relação com esses parasitas, preservando e reconhecendo os melhores profissionais, mas quando você conversa com pessoas competentes que se sentem desmotivadas no trabalho porque não são valorizadas é fácil perceber que em inúmeras empresas e instituições não é a qualidade profissional que está guiando as regras do jogo, mas a “cordialidade”. O homem cordial de Sérgio Buarque de Holanda não é um sujeito de extrema polidez e gentileza, mas um homem que age com o coração e não com a razão, com isso confundindo público e privado – profissional e pessoal – e queimando a elevação de tudo para poder prestar favores aos amigos. Em países sérios essa cultura nanica não prospera. Aqui não só prospera como quem reclama é visto como errado – e para mostrar ao reclamante que ninguém está nem aí para suas reivindicações atinadas, passa-se a dar ainda mais cordialidade às relações. Você sabe o quanto é alvo de fixação na vida de alguém quando esse alguém altera comportamentos para pior para te mostrar que não se rende às suas críticas. “Ah, é? Isso te incomoda? Vou fazer mais.” Nesses casos, talvez devamos atuar com psicologia reversa e deixar que as pessoas sejam bolinhas de rancor pensando-se arbitrárias, mas rodando na caixa conforme os encaminhamentos reversos que damos. 1. Defenda uma coisa em pensamento. 2. Verbalize o contrário. 3. O fixado, para mostrar que te rebaixa – pois ele se sente inseguro diante dos seus discursos –, vai fazer o contrário do que você verbalizou, ou seja, vai fazer o que você pensou, ou seja, vai fazer o que você quis desde o começo. É muito triste ter que tratar adultos desse modo, mas é assim que se trata quem não amadureceu emocionalmente e opera por critérios mesquinhos, usando-nos como parâmetro de como se comportar e obtendo certo prazer mórbido ao criar desarmonia desnecessária conosco. 

Bolsonaro é esse homem cordial, oferecendo a coisa pública aos parentes e amigos. Quem reclama de seus procedimentos se torna seu opositor. Então que ele muitas vezes piorou suas atitudes ao ser criticado pela imprensa, pela qual tem fixação. Essa sua obsessão por ela faz com que queira peitá-la até onde for possível, e parece que a psicologia reversa poderia fazê-lo andar para o outro lado – mas, de fato, nem sempre é simples entrar nessa estratégia quando o campo é enorme e envolve outros órgãos que não entenderam a função da traquinagem contra gente de tanta pequenez. Notem que, ao ser criticado com razão por um ponto, Bolsonaro não reflete sobre a crítica e balanceia as coisas – ele piora para mostrar que não se dobra aos críticos. “Ah, não gosta? Vou fazer mais. Esse termo é errado? Vou usar mais. Esse comportamento é antiético? Testemunhe como persisto nele. Falam tanto da importância de usar máscaras para diminuir o contágio? Vou desdenhar.” Ele não está mostrando que despreza a imprensa. Está mostrando que só pensa nela, que opera em função dela, que vai dormir mergulhado nas opiniões dela. Há exceções nessa conduta do-contra-por-birra, mas as exceções confirmam a regra. E é bom avaliar se no caso das exceções ele mudou não por entender acertada a crítica, mas por calcular que se nesse objeto específico ele não se dobrasse, as perdas futuras seriam muito maiores. Uma característica de vaidade reles presente em tantos de nós é a encarnação podre e pura no Presidente da República. Não sentem que precisam de um dicionário analógico, como fez o professor de língua portuguesa Sérgio Rodrigues, para saciar a ânsia de adjetivos negativos para esse senhor? 

Se Bolsonaro age como um moleque birrento ante seus propalados inimigos, quem a ele se conecta pelas mais banais razões consegue favores. Se você souber engatinhar para perto dele moderando uma postura de adoração com uma postura fingida de autorrespeito só para não parecer um desgraçado completo esperando carona na sarjeta – “postura fingida” porque ninguém que se dê o respeito vai fazer esse papel de puxa-saco –, tem chance de conquistá-lo. O negócio irá bem enquanto invejosos ao redor não começarem a sussurrar no ouvido dele uns venenos sobre sua pessoa – você é cobra entre cobras – e enquanto os jornais não passarem a dar mais valor a você do que ao grande líder, “insuperável”. Nessa seara a mídia parece ter tido às vezes uma esperteza, não sei se planejada ou inconsciente: dar destaque a um homem do entorno do presidente foi uma forma bem aplicada de aquele homem ter sua queda contínua preparada. Mandetta não caiu por causa de cloroquina, caiu porque a imprensa alisou seus cabelos macios e deixou o outro monstrinho seboso no canto da sala roendo as unhas. O pressentimento que surge é que se a imprensa começar a elogiar o 03, Eduardo, até ele será expurgado por rancor. Na doença de Bolsonaro, o que mais importa é ele mesmo; se seus filhos são protegidos, é porque levam seu sobrenome e 50% da sua genética. Mas não se pode garantir que serão protegidos por inteiro, porque 50% não é 100%, e 100% da genética de Bolsonaro só o próprio Bolsonaro tem. 

Enquanto alguns argutos sabem como criar a conexão certa com o presidente para dele angariar benefícios, também o presidente criou conexões com o povo para cativá-lo. Neste Brasil de educação e maturidade emocional tão baixas, como já pontuei, homens vazios de conteúdo conseguem se conectar a uma parcela considerável da população quando mostram que são populares nos mais idiotas atributos. Bolsonaro se expressa muito mal, com má dicção e curto vocabulário, é inculto, torce para times de futebol amados quase no Brasil inteiro, anda com chinelos de outra temporada e come pão com leite condensado. É vergonhoso, mas isso conquista simpatia pela conexão mesmo entre quem não está na categoria de “gente simples”. Quando se comenta que a similaridade influi no julgamento que temos dos outros, não estamos falando necessariamente de coisas grandiosas, como ter estudado na mesma universidade e ter gostado dos mesmos professores ou ter escapado de um grande incêndio e depois se tornado bombeiro. Essas conexões que apagam a luz no nosso crânio muitas vezes acontecem por mixaria. Assim como aqueles que leram sobre a arte da persuasão e da negociação tentam criar conexão com os outros através de um leve toque rápido – garçons recebem mais gorjetas quando fazem isso com clientes que ignoram a tática, vendedores vendem mais produtos –, a maioria das pessoas têm uma tendência boba e real de se conectar a outras por coisas como torcer para o mesmo time, ter a mesma doença – eleitores com câncer podem simpatizar mais com candidatos políticos que usam na campanha a informação de que tiveram câncer –, vir da mesma cidade, ter a mesma profissão, ter filhos com deficiência. Essas conexões dependem do cenário e de tantas circunstâncias, e às vezes nos custa mais ter esses vínculos com umas pessoas do que com outras, mas eis uma realidade generalizada que só piora em populações reféns da incultura. 

Os mesmos que acham que Bolsonaro é “gente como a gente” porque toma café no copo e gosta de pescar – em área proibida pelo IBAMA é mais gostoso – têm que ser alertados para o que Bolsonaro tem de desconexão prática com eles. Já passaram 30 anos num emprego recebendo salário altíssimo para não produzir nada? Já tiveram uma agenda de trabalho como a de Bolsonaro, com dias em que a vida presidencial dele começa às 9h, para às 12h para almoçar, retorna só às 15h e depois das 17h não tem “nada para fazer” em pleno auge da pandemia? (É o presidente mais preguiçoso da história do Brasil.) Já conseguiram colocar parentes e conhecidos para receber dinheiro público sem trabalhar e depois repassar parte dos valores para vocês? Já se envolveram com milicianos? Já fizeram homenagens a milicianos? Se tivessem um filho gay, diriam que seria melhor que ele tivesse morrido num acidente? Já defenderam um homem que colocava ratos nas vaginas de mulheres para obter confissões? Já defenderam um homem que para obter confissões de presos colocava pedaços de madeira em seus ânus, afogava-os, e depois de várias humilhações deixava os presos nus, vomitados e mijados para serem vistos por seus filhos pequenos? Já elogiaram o ditador corrupto de um país da América do Sul que era pedófilo e abusou de mais de mil meninas virgens enquanto esteve no poder (um ditador que criou um harém de meninas entre 10 e 15 anos que eram estupradas e algumas transformadas em escravas sexuais, todas após serem sequestradas nas ruas)? Quando seus filhos eram investigados pela polícia por causa de possíveis crimes, já conseguiram deter as investigações alterando a composição da polícia? Já desdenharam a situação e ficaram sem fazer nada quando um surto começou a matar milhares de pessoas que estavam de certa forma sob sua responsabilidade? 

Mas o importante é que o presidente também gosta de Danoninho no café da manhã. 

Diz-se que candidatos bonitos têm mais chance de angariar votos que os feios, pois a beleza, para muitas pessoas, está associada à virtude. Todavia, se um candidato feio souber usar outros traços a seu favor, é possível virar a mesa. Se Bolsonaro tem algo de bonito em região que não podemos ver (a curvatura das nádegas?, a delicadeza do mindinho do pé?), isso não foi usado na campanha. Seu método não pôde aproveitar uma beleza inexistente ou oculta. Mas a frente na qual laborou funcionou, tanto é que venceu a eleição de 2018 sem ser nenhum Kennedy. 

Não podemos dizer que apenas um motivo elegeu Bolsonaro, mas a força central vem de um lugar: a edificação da figura salvadora por meio de uma eficaz propaganda pela internet. Alguns analistas políticos, ao criticar colegas de trabalho, apreciaram que há falha em não entender o que levou o povo a votar nesse absurdo, e é interessante que digam isso como quem crê que o povo está plenamente apto ao voto racional se for respeitado em seus anseios. Hélio Gurovitz tem essa postura. É uma tremenda romantização do povo, coisa que esperávamos só de doutrinadores utópicos que precisam reescrever a realidade para então alterá-la em cima de um espantalho. 

A imensa maioria do povo é burra. O grosso dos apoiadores de Bolsonaro não votou nele “por esperança válida de ver uma reforma na educação”, mas porque se deixou levar por uma campanha mentirosa que o colocou como “o diferente”, “o mito”. Ele passa três décadas sendo uma nulidade na Câmara dos Deputados e de repente é “o novo”, “o não testado”. Muitos dos que votaram nele votaram em uma imagem de salvação “contra tudo que está aí” – mas que diabos, poucos conseguem responder o que é que está aí –, não em um programa de governo. Não pesquisaram sobre seu candidato. Olharam para ele, sentiram a onda ao redor e foram junto. A História é feita dessas peripécias perversas de criar um redemoinho surgido aparentemente do nada e que é difícil explicar em sua totalidade complexa. Essa aparência de situação abrupta é errada porque supõe um contexto que não podemos refrear, mas Bolsonaro só foi possível porque nosso povo é burro, e a burrice aqui é coisa de séculos. Quanto mais burra uma nação, mais tende a acreditar em salvadores – perceba em quais países as religiões histéricas de charlatões costumam vingar – e mais tende a cavar o próprio buraco. E não estou falando de acesso às universidades e titulação. A burrice brasileira impera e grassa também no ensino superior, e é pasmante a quantidade de médicos, engenheiros e outras profissões bem cotadas (bem cotadas pelos trouxas que acham que alcançá-las é ser, necessariamente, inteligente) que têm em suas fileiras inúmeros eleitores e contemporizadores de Bolsonaro. Será uma burrice estrutural? Se for me pautar no que Sílvio de Almeida usa para definir “estrutural” ao explicar o racismo brasileiro, vivemos uma burrice estrutural, sem dúvida, porque permeia a nossa sociedade sem discernir classes, espaços e formações acadêmicas. É até uma burrice “não intencional”.

Consigo pensar em uma exceção razoável para arrebanhar apoiadores ao manco plano de governo deste homem: o preocupante problema de segurança pública que vivemos. Quem tem medo de sair às ruas, de ser assaltado e morto pode se desesperar e colocar fé num candidato que afirma com fibra que vai resolver a questão. Resolveu? Está resolvendo? Não. Novamente foi ignorância apostar que um homem tão despreparado e fraco pudesse ter um projeto de sucesso para diminuir a violência e a criminalidade. 

As trevas atingiram seu ápice em Bolsonaro, mas não são privilégio seu. Lula também é apoiado pela burrice que endeusa homens, busca neles a salvação e cega para o óbvio. Quem o defende com camiseta, adesivo e boné também é muito burro – e estraga o sabor dos pratos ao trazer essa religião política para os jantares de Natal. Nosso povo não vota em projetos, vota em homens. Essa é a massa que elege desastres. Há muitos motivos que levaram o povo a votar em Bolsonaro, mas a burrice é o maior deles. 

Quando falo de burrice, imagino que algumas pessoas alheadas ou querendo mostrar bom coração pensem que o termo é pesado demais “porque nosso povo é enganado”. Com isso querem dar a entender que o brasileiro é honesto, mas iludido pelos políticos. 

A história do brasileiro honesto é outra lenda romantizadora. Os políticos que nos representam nos municípios, estados e Governo Federal também representam o que o povo é em sua maioria: desonesto. A prova da nossa corrupção estrutural – são tantas as coisas estruturais – está na demonstração do que as pessoas fazem de errado quando têm oportunidade de fazê-lo. É fácil ser honesto quando nunca aparece nenhuma grande chance de ganhar dinheiro fácil de modo corrupto, assim como é fácil ser um marido fiel, trinta anos de casados, enquanto a jovem dos sonhos não surge para dar mole. Nas estradas, quando acontecem acidentes com caminhões que carregam alimentos, animais vivos (que serão mortos para se transformar em alimento), roupas, tênis e outros itens, se há residências perto desses trechos muitas pessoas vão furtar os produtos do caminhão. Já houve casos de fazerem isso enquanto o caminhoneiro ainda agonizava sob as ferragens. A quantidade de pessoas que recebem Bolsa Família sem precisar é grande e só não é maior porque nossa fiscalização é falha. O Fantástico está quase todo domingo noticiando novos golpes que estelionatários aplicam em idosos, prejudicando-os em milhares de reais. Inúmeras pessoas solicitaram o auxílio emergencial concedido pelo Governo por causa da pandemia sem que precisassem dele – dessas, mais de 130 mil eram funcionários públicos, aposentados e pensionistas. Há gente que não solicitou porque alega não precisar, mas fica com cara de pato sabido querendo um tipo de prêmio ou aplausos por ter feito uma obrigação de decoro que não devia ser nem mencionada. As rachadinhas acontecem no país inteiro. Promessas financeiras de políticos para pessoas que os ajudam a se eleger acontecem no país inteiro. Sempre há notícias de fraude no INSS. Tem ajudante de mecânico, servidor público, se aposentando em município pequeno – tão pequeno que sem nenhum semáforo – com 23 mil reais. Nós nunca passamos uma semana sem nenhuma notícia de corrupção em algum lugar do país. A cultura do “jeitinho” e do “levar vantagem” não combinam com probidade. Onde está o brasileiro honesto? Se você encontrá-lo, não coloque a mão no fogo: 1. ele não foi desonesto porque não teve a chance de ser desonesto. 2. se ele tiver a chance de ser desonesto, ele pode simplesmente não ser por medo de ser descoberto e punido, e não por dever moral. Dizer que o brasileiro é honesto como se fosse uma característica vistosa na maioria é wishful thinking


Marina Silva foi minha candidata em 2018 e ainda é por ora. Vejam como tudo são meandros e graduações: constantemente critico as religiões evangélicas, mas minha candidata é evangélica. Em sua defesa, ela não agrada os líderes evangélicos que são os maiores picaretas do país. Consideram-na insuficientemente maníaca. Em sua defesa, é considerada repugnante por outra religião também muito danosa, a dos petistas. 

O que Stálin fez com Trótski, o PT quis fazer com Marina: apagá-la. No museu do PT, fotos em que aparece, quando ainda era do partido, devem estar com adesivos de caderno universitário cobrindo seu rosto – onde se lê, em cores chamativas, “urgente” e “não esquecer”. Há tanta imundície que já ouvi de petistas sobre Marina Silva que se eu não soubesse a baixaria habitual a que muitos deles podem se submeter, pensaria que Marina era assim rechaçada com febre porque tinha explodido uma bomba num comício petista, matando dezenas. O ódio obscuro é tamanho que às vezes penso que certos radicais do PT prefeririam votar em Bolsonaro a votar em Marina: negra, mulher, alfabetizada aos 16, de origem muito pobre. Pelo visto há um limite para apoiar quem valorize a representatividade das minorias, e o limite tem pelo menos um nome: Marina Silva. O que ela passou nas mãos dos marqueteiros de Dilma em 2014 também não está no gibi: o PT achou uma ideia íntegra e limpa dizer que a adversária tiraria comida da mesa dos brasileiros. 

Estamos diante da canalhice quando a incoerência de argumentos é aberrante, mas se apresenta com jeitão empolado. Muitas das vezes em que defendi Marina como opção, ouvi pessoas criticarem sua aparência. O intrigante é que essas pessoas também não eram bonitas, mas não interrompi as explicações para apontar tal fato ou entregar um espelho ao interlocutor. Marina seria, além disso, “frágil”. Ainda estavam falando de sua aparência, mas aí para fazer associação entre aparência frágil e personalidade frágil. Com isso diziam que ela não seria capaz de governar. Mas alguns desses mesmos senhores defenderam que Bolsonaro poderia ser uma boa opção porque não governaria sozinho, mas por meio de uma equipe. Diziam que ele poderia ser incompetente e atrapalhado, mas seria bem assessorado por ministros e outros profissionais. Ué, e Marina não teria uma equipe, ministros e toda essa gente para compensar sua “fragilidade”? Por que Bolsonaro teria seus defeitos corrigidos pela equipe e Marina, não? Porque esses senhores queriam votar em Bolsonaro. Depois de decidir que votariam em Bolsonaro, passariam a procurar as justificativas para tal. 

Na internet ou no bar, quando dizíamos que Bolsonaro falava absurdos e grosserias, alguns senhores riam e depois de terminar a risada em reticências diziam “mas são só umas besteiras que ele fala, ele não vai implantar nada disso e nem conseguiria”. Insistíamos que ele era perigoso pelo que tentaria fazer e pelas coisas que dizia, que alteravam a já abalada entropia social, e esses senhores continuavam em seus “deixa disso, são só bravatas”. Então inseríamos Ciro Gomes na conversa. É outro que gosta de falar bobagens – e depois alegar que não as disse – e fazer promessas difíceis, mas não chega aos tornozelos de Bolsonaro. Ora, ora, ora, o sorriso dos senhores quando falávamos do esgoto verbal de Bolsonaro tinha desvanecido, e esses mesmos bacanas se tornaram indignadíssimos com umas três falas absurdas de Ciro. Bolsonaro proferiu uma centena de absurdos: “haha, não vai implantar, bravatas, deixa disso”. Ciro Gomes proferiu três absurdos: “contrassenso, preocupante, quem ele pensa que é para dizer isso? Ele quer acabar com o país e instaurar uma guerra civil?”. Até hoje há quem fale muito mais de Ciro Gomes do que de Bolsonaro, parecendo viver numa dimensão diversa onde Ciro é o presidente. Por que Bolsonaro podia ser um aterro sanitário hospitalar e Ciro Gomes não podia ser uma lixeira de escritório? Porque esses senhores queriam votar em Bolsonaro. Depois de decidir que votariam em Bolsonaro, passariam a procurar as justificativas para tal. 

Ainda há quem tente justificar seu apoio a Bolsonaro, o que é, sem exagero, caso psiquiátrico. Roger, do Ultraje a Rigor, está num barato tão ruim que parece ter usado uma dessas drogas fortes e alucinógenas que, se não matam o sujeito, fazem com que ele “não consiga voltar” da viagem nunca mais. Semanas atrás perguntou qual seria a gravidade das rachadinhas. Outros até reconhecem que Bolsonaro está sendo um péssimo governante, mas se orgulham de terem escolhido a opção menos pior e “não admitem” que seu voto prudente seja constrangido. Defecam no meio do salão de festas e se retiram fazendo moonwalk e colocando o dedo indicador no biquinho labial, “shh, quietinhos, ninguém fala nada”. Assumam seus erros, pirralhos e pitocos. Assumam que não estavam fazendo apenas voto de protesto, “Bolsonaro, novo Macaco Tião”, e que sua febre odiosa contra o PT nublou o raciocínio. Assumam que estavam desinformados. Assumam que acreditaram em milagres, pensando que um deputado sem pé nem cabeça nem vontade de trabalhar poderia espantosamente se transformar num presidente exemplar. Assumam que o “bandido bom é bandido morto” de vocês vale só para assaltante e não vale para político corrupto ou para milicianos. Assumam que o único presidente “analfabeto” que os incomodava era Lula – porque Bolsonaro é muito mais ignorante que Lula, mas vocês acharam que valia a pena apoiar uma porta como Bolsonaro e colocá-lo no poder para fazer do Brasil um país ainda mais ridicularizado perante a comunidade internacional. 


What happened to Regina Duarte? (2020, sinopse) 

Uma atriz famosa não aceita sua decadência física e artística, tornando-se saudosista de sua juventude e ascensão, que coincide com o período da Ditadura Militar Brasileira. Impossibilitada de separar as coisas, ela começa a acreditar que a Ditadura foi um bom período para o país, quando havia alegria nas ruas movendo o povo e quando ela passou a ser chamada de “namoradinha do Brasil”. Tentando ser coerente, apoia o candidato a presidente que defende a Ditadura. Sobre o jeito grosseiro dele, ela diz que é uma característica brincalhona, masculina e doce fazer comentários homofóbicos e dizer que o lugar do negro é na cozinha. Seu candidato vence. Um ano depois, numa decisão impulsiva, a atriz abandona décadas de contrato com o maior canal de televisão do Brasil para participar como Secretária de Cultura do governo do presidente instável que nunca terminou um livro – nem o de Ustra – e nunca foi ao teatro – nem o de fantoches. No discurso de posse, ela celebra o multiculturalismo brasileiro, dando como exemplos o pum do palhaço e os cultos evangélicos. Ao ser entrevistada por um telejornal, age de modo estranho e diz que não devemos lembrar os mortos pela Ditadura porque todo mundo sempre morreu e a morte anda junto com a vida. Na mesma entrevista pede para as pessoas ficarem “leves”. A entrevista é encerrada abruptamente porque o jornalista começa a fazer perguntas que não tinham sido combinadas. Nas redes sociais, pessoas passam a questionar as faculdades mentais da atriz e suspeitar que ela está se embriagando. Pouco tempo depois, ela começa a ser fritada no governo. Usam seu lamento sobre saudade da família para justificar tirá-la de Brasília e enviá-la para São Paulo, “para ficar perto da família”, mas o cargo em São Paulo não existe na prática. Fritada e expurgada, ainda sai fazendo uma encenação abraçando o presidente, sorrindo e agradecendo o chute. Não ganhou nenhum prêmio de atuação por isso. Para disfarçar o tombo, a atriz se recolhe e agradece o retorno às boas noites de sono. 

*

Quando Bolsonaro tomou posse e sua esposa Michelle fez um discurso em Libras, muita gente se emocionou. Jornalistas começaram a especular que Michelle poderia ser o elo suavizador no governo de seu marido. Também cogitaram, românticos e encantados, que ela poderia ser uma nova Ruth Cardoso, tão atuante em causas sociais. Admiro e estudo a língua de sinais, mas não vejo nenhuma razão para prever um futuro glorioso em alguém apenas porque fez um discurso em Libras na posse de seu marido. Achar isso grande coisa é se contentar com pouquíssimo quando podemos e devemos exigir muito mais. Aliás, onde está a especulada Ruth Cardoso 2.0? O máximo que fez pelos surdos foi aquele discurso de alguns minutos? O brasileiro tem tanto complexo de vira-lata que se anima com qualquer osso que encontra no lixo. 

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Tipinhos bolsonaristas e outros contemporizadores






Assim como não podemos dizer que apenas um motivo elegeu Bolsonaro – apesar de ser justo indicar qual foi o maior deles: a burrice estrutural –, não podemos dizer que ele teve apenas um tipo de eleitor. São vários os perfis e as explicações. Também não é equilibrado colocar sua subida apenas na conta dos eleitores, pois seus contemporizadores ajudaram a alçá-lo e mantê-lo. Falemos brevemente sobre alguns desses tipos.

Fascistão

O esquema de raciocínio de alguns opinadores simples funciona como uma tabela com três opções de colunas para avaliação. Assim:

O QUÊ
ADORO
DETESTO
SEI LÁ
Balas de caramelo

X

Revolução Francesa
X


Sistema Android

X

Condolezza Rice


X
Alice in Chains
X



São esses opinadores que dizem, a sério e sem querer apenas causar impacto num círculo de conhecidos, que todos os eleitores de Bolsonaro são fascistas, e essa conclusão os leva a acreditar que no Brasil temos muitos milhões de fascistas. Isso não reflete a realidade. Tenho certeza de que muitos dos seus eleitores aderiram a um modismo sem compreendê-lo, e nessa ignorância permitiram que o poder fosse dado a um homem que, se bem analisado, não ganharia confiança. É possível que gente muitíssimo limitada, desinformada e passando os dias em mera sobrevivência tenha votado nele por causa da onda. Podem ser os mesmos que em outra época votaram em Lula e Collor por causa de outra onda. Uma parcela da população que não entende o que passa nos jornais – liga a TV neles mais por distração do que por vontade de buscar informação – acaba seguindo o vento do instante. Vai chamar o Sr. José, 64 anos, analfabeto e carpinteiro, de fascista? Atribuir maldade a toda burrice é burrice.

Essa deferência não podemos ter com aqueles que em julho de 2020 ainda apoiam Bolsonaro. Eles estão nas ruas aclamando o presidente, contestam dados sobre o novo coronavírus, montam panelas no Facebook para levantar todas as conspirações que atacam seu líder, assinam a versão digital de jornais como a Folha de S.Paulo apenas pelo prazer de avacalhar a seção de comentários. São fascistas. São fascistas porque intolerantes, contrários às instituições que garantem a democracia, favoráveis à demolição dos direitos humanos, defensores da execução sumária de “inimigos”, são violentos e encrenqueiros, defensores de ditadura e de linchamentos. O Estado que desejam é um Estado de violência permanente em que o derramamento de sangue dos discordantes causa festejos. Podemos ter algum diálogo com pessoas que votaram em Bolsonaro por burrice, canalhice momentânea, desinformação voluntária, birra infantil contra o PT (que leva a crer que qualquer coisa é melhor que o PT), moda. Com fascistões não costuma haver diálogo capaz. Sua falha não é educacional, mas de humanidade. Quem quiser tentar um diálogo que ajude no despertar, que tente. O sucesso da missão não é impossível, mas é improvável. 

Segurem este bebê


Ninguém pensa em colocar no topo da empresa um incompetente, preguiçoso e rústico tirado do chão da fábrica, imaginando que o suporte que ele terá de secretários, assessores e outros profissionais possa suprir sua incapacidade. Ninguém pensa que ele pode errar à vontade porque os mecanismos de fiscalização administrativa e jurídica da empresa corrigirão seus erros. Ninguém pensa que a concorrência vai ensiná-lo a ser líder na marra. Para Bolsonaro, todas essas licenças foram concedidas. Ouvi e li pessoas até inteligentes dizendo que ele não conseguiria fazer nada das baixarias que defendia porque nossas instituições barrariam o que não prestava. Mas nem tudo as instituições conseguem barrar – nomeações esdrúxulas e exoneração de técnicos sérios –, e o papel das instituições não é correr com mamadeira, fraldas e panos de limpeza atrás do bebê aloprado que vai deixando um rastro de vômito e diarreia por onde passa. Que visão é essa que vocês têm das instituições? É uma tremenda cara de pau usar tantas justificativas para apoiar o absurdo. Se você não contrata uma cozinheira que não sabe cozinhar, por que elege um governante que não sabe governar e nem quer aprender a governar numa democracia? “A Eliana não sabe cozinhar nem um miojo, mas se a contratarmos como cozinheira aos poucos ela vai aprender e um dia fará pratos finos de banquete grego.” 

Filósofos e outros influenciadores 

A filósofa baiana Bruna Frascolla representa as pessoas com estudo que votaram em Bolsonaro e depois tentaram intelectualizar esse voto. Na primeira vez em que ouvi falar dela, um outro filósofo que acompanho com meu perfil falso no Facebook tinha escrito um texto explicando por que deixaria de segui-la. Ninguém deixa de seguir João, eletricista e pagodeiro, fazendo um longo texto a respeito, então se Bruna era abandonada por um de seus seguidores por causa de suas ideias insensatas é porque tinha se tornado uma opinadora de relevância nas redes. Fui olhar seu perfil e encontrei boas análises no meio de muita conclusão fajuta e burra espremida com pressa. Como Lobão, Bruna fala demais, e quem fala demais o tempo todo não tem tempo para pensar direito as coisas. “Para falar é preciso pensar”, mas não estou me referindo a pensamento e fala como resultado de um processo biológico, e sim como produto de uma atividade filosófica. Quando você opina com pressa, e não ouve o outro lado, e não lê direito, e quer apresentar textos de impacto a seus seguidores – está dada a receita para falar também muita abobrinha. Na segunda vez em que soube de Bruna foi no livro de Antonio Risério, Sobre o relativismo pós-moderno e a fantasia fascista da esquerda identitária, em que se refere a ela em tons elogiosos. Simpatizo com Risério, Risério simpatiza com Bruna, questionei se eu tinha sido algo injusta na minha primeira análise de seu perfil e voltei a lê-lo. Ela continuava a mesma nietzschesca achando que desmascarava cinco reis nus por dia, permanecia dando opiniões convictas demais sobre assuntos ainda muito movediços, justificava movimentos de Bolsonaro – disfarçava essa leniência às vezes chamando-o de agrados como “bobo” – e o sentimento que tive sobre si foi, assim, o mesmo.


Os balõezinhos são todos com paráfrases – algumas são quase citações – do que Bruna disse em seu perfil no Facebook. Não sei qual das ideias é pior. 

“Não importa o que ele fala, mas o que ele faz.” Primeiro que as falas são anúncios do que as pessoas pretendem fazer, e é por isso que na política damos tanta atenção a elas. Mas mesmo que Bolsonaro fale algo aberrante que pela legislação é impossível fazer, é claro que é papel da mídia mostrar o tipo de apedeuta que foi elevado ao maior cargo político do país. Alguns de nós valorizam certo padrão de modos. (Vamos aguardar um governo de esquerda para ver se Bruna vai se preocupar somente com o que seu representante faz e não com o que ele fala.) Em segundo lugar, uma ideia não é só uma ideia. Se um sujeito em cargo público eletivo disser que a Terra é plana, isso não é “uma ideia”, isso é sintoma isolado de um problema muito maior no histórico de ideias daquele sujeito e que ele está tentando propagar para convencer os outros ou ao menos desarranjar os fundamentos de certos entendimentos básicos da nossa civilização. Ideias causam estragos, falas alteram o pensamento coletivo, de onde sai uma ideia estapafúrdia geralmente saem outras ideias iguais ou piores. Ninguém em sã consciência e com os olhos voltados para milênios de História esnoba a valia e o risco das ideias. Terceiro, felizmente vivemos num Ocidente em que as ideias importam, em que as ideias erguem e rebaixam, em que podemos dizer os males que “meras” ideias podem causar. Ações começam com ideias, e mesmo que ideias levem somente a outras ideias, isso é meritório numa sociedade do conhecimento. Quando deixar de ser, fechem os cursos de filosofia, que falam ideias demais e fazem coisas concretas de menos. 

“Às vezes Bolsonaro fala coisas que procedem.” Quando um ladrão invade sua casa e começa a recolher seus bens de valor, você não fica pensando em ver se ele tem olhos bonitos ou unhas bem aparadas. Quando um ditador impõe um regime de fome a uma classe do povo, ninguém razoável vai colocar foco no fato de que há dois anos ele criou um decreto que enobreceu a profissão das enfermeiras. Ao tratarmos de elementos que nos afetam por completo, nós nos detemos no que sobra, não no que rareia. É claro que Bolsonaro muito pontualmente pode tomar decisões acertadas. Mussolini também tomava: vestia calças nas pernas, camisas no tronco e chapéus na cabeça. Mas por que vamos nos deter na exceção do acerto quando os erros são abundantes? Uma pessoa asquerosa pode fazer uma boa coisa – não deixa de ser asquerosa por isso. Uma pessoa boa pode agir de maneira injusta – não perde sua característica mais notável por isso. 

“Prefiro um burro com apoiadores histéricos a um vermelho com apoiadores articulados.” Isso é só para dizer que votou nessa assombração porque achava a outra opção pior. Não concordo com a postura dos isentões de segundo turno lavando suas mãos para depois passar a eternidade dizendo “eu avisei”, mas também não concordo com quem cria fórmulas duras para causar frenesi, tais como “um bolsonarista é até melhor que um isentão”. Desculpem, não faz sentido. O isentão olhou para Haddad e Bolsonaro e decidiu: são igualmente ruins, não vou votar em nenhum dos dois. O bolsonarista olhou para Haddad e Bolsonaro e decidiu: Bolsonaro é melhor. Não há como dizer que existe alguma virtude em olhar para esses dois e escolher Bolsonaro, mesmo que saibamos de todos os problemas do PT. Só apoiei o PT no segundo turno, como declarei em outubro de 2018 neste blog, porque a outra opção era gritantemente pior. Com todo o asco que tenho pelo histórico do PT nos últimos anos, a eleição teve mesmo que feder para chegar a esse ponto de preferir um petista na presidência. (Apesar disso, simpatizo com Haddad – mesmo sendo lento, manipulado pela tirania do pensamento da diretoria do PT e mau piadista no Twitter – e acho que deveria mudar de partido.)

Cobrarmos a conduta cagarolas do isentão em não querer assumir, no segundo turno, a responsabilidade de votar no menos pior porque temia ser cobrado por isso posteriormente não significa dizermos que a assunção de responsabilidade do bolsonarista ao votar em Bolsonaro é um predicado que o favorece por causa da “coragem” que demonstra. 

“Admiro Regina Duarte, pois dá a cara a tapa e quer fazer um país melhor.” Quem vai dormir no lodaçal esperando acordar limpinho no dia seguinte é muito canalha ou muito ingênuo. Regina deu a cara a tapa e levou um soco. 

*

Luiz Felipe Pondé é outro filósofo (o que está havendo com essa classe?) que deve ser lembrado quando falamos de Bolsonaro. Que eu saiba, Pondé não declarou seu voto, secreto. Não posso colocá-lo como apoiador de Bolsonaro, mas posso chamá-lo de contemporizador. E que contemporizador. Pondé escreve uma vez por semana para a Folha de S.Paulo. Seus assuntos recorrentes são os jovens – tolos que querem salvar o mundo, inúteis que não fazem mais sexo, revolucionários que não limpam o quarto –, a esquerda “inteligentinha dos queijos e vinhos”, a direita que não pega mulher, a modernidade aflita. Há muito assunto para tratar em uma coluna semanal, mas Pondé insiste nesses pontos, e podemos fazer cartelas de bingo com seus temas e expressões e ver quem preenche primeiro conforme forem publicadas novas colunas. Estranhamente, quando se aproximava o tornado Bolsonaro, Pondé tratou-o como um mero mosquito ali no jardim. Se o mundo acabar e alienígenas do futuro tentarem entender o que aconteceu no Brasil entre 2018 e 2020 consultando apenas as colunas semanais do Pondé nesse período, acharão que Bolsonaro foi só um vereador deselegante e atrapalhado fazendo coceira no pé de alguns atores sociais. 

Citar Bolsonaro muito raramente e negar que subestimou seus danos – “critiquei na época, sim, veja o quinto parágrafo da minha coluna de fevereiro de 2020 em que trato dele em uma linha, chamando-o de ignorante” – não é suficiente para convencer ninguém sobre essa contemporização vergonhosa.
















Esses singelos desenhos são para mostrar que Pondé se importou com Bolsonaro de verdade somente em março de 2020. Em maio ficou ainda mais antenado com o que acontecia ao país onde habita, quando finalmente escreveu uma coluna intitulada Bolsonaro, escute: não há frases como 'quem manda aqui sou eu' na democracia. Apesar do flácido “escute”, o texto foi incisivo, mostrando que o colunista despertara. Demorou para despertar, não? Por que não despertou antes? Bolsonaro já era aberração quando Pondé insistia em queijos & vinhos, millennials e numa coluna intitulada Acho a Elsa de 'Frozen' uma chata e infeliz que congela o mundo a sua volta. (Gosto de referências pop em textos sérios, mas parece que não ficam bem em todo mundo.) Como o momento pede que possamos agregar pessoas em vez de afastá-las, mesmo que mereçam xingamentos por terem fechado os olhos a patentes monstruosidades: seja bem-vindo ao Brasil, Pondé. 

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Luciano Trigo é um jornalista que tinha um blog sobre arte no G1 e escreveu um bom livro provocador para resistir à farsa da arte atual, A grande feira: uma reação ao vale-tudo na arte contemporânea. Essa era uma das duas grandes matérias nas quais se notabilizou. A outra é a crítica à esquerda. Em abril começou a escrever para a Gazeta do Povo, e parece que serve perfeitamente à linha editorial do jornal: evita falar sobre Bolsonaro e nas vezes em que fala é geralmente para elogiar alguma postura sua que ninguém estaria vendo que faz sentido e poderia ser uma boa estratégia. 

Quando terminei de ler seu A grande feira, em abril, procurei seu Twitter e encontrei coisas interessantes. Trigo foi ativo crítico em outros governos, mas no de Bolsonaro resolveu usar seu Twitter apenas para propagar “positividade”. Em 24 de janeiro deste ano, escreveu: “vamos compartilhar notícias boas, porque gente sabotando e torcendo contra já tem demais”. Compartilhava uma notícia de criação de 644 mil empregos com carteira em 2019. Em fevereiro e março, quando no fundo do abismo o Brasil encontrava um poço e mal sabia que o poço levava a um precipício, Trigo não tuitou nada. Parece que não havia nenhuma coisa boa para compartilhar, e compartilhar as desgraças do governo seria “torcer contra”. Quando passou ao quadro de colunistas/blogueiros da Gazeta do Povo, aí voltou a escrever no Twitter especialmente para divulgar o conteúdo que publicava no jornal, mas dados os títulos das postagens parece que continua envolto num imenso pano que vai passando para o governo. Pelo que pude averiguar, está usando roupas de pano, luvas de pano, pantufas de pano e chapéu de pano. Assim não sobra quase nada com que não possa passar pano. O inferno autoritário são os outros.

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E Leandro Narloch, o antigo “caçador de mitos” da Revista Veja que sempre estava lá para nos mostrar que o que foi ruim na verdade era bom e o que foi bom na verdade era ruim? Seu Twitter é bastante informativo, mas só se você quer saber o que a esquerda está fazendo de errado (sempre terá assunto, a esquerda erra demais). Se alienígenas estão tentando entender o Brasil acessando o perfil de Narloch no Twitter, Bolsonaro é apenas uma micose no pé. E a pomada aliviadora se chama Paulo Guedes.

Que bastão atingiu a cabeça desses quatro senhores? Poderíamos correr em explicações, mas é importante notar uma outra coisinha que talvez ajude a entender algumas posturas ruins daqueles que escrevem e dependem de quem lê. Quando tomamos uma posição e com ela adquirimos leitores, nosso cérebro de raiz animalizada produz substâncias boas. Podemos ficar compelidos a escrever mais sobre aquele assunto. Quanto mais escrevemos sobre aquele assunto, mais leitores angariamos e, se polêmico, vêm também os leitores cheios de paixões que cegam a razão. Percebemos o que dá ibope acompanhando comentários, likes e vendas de livros – insistimos nesse tipo de linha. Se mudamos a linha, alguns leitores se sentem traídos, outros se sentem perdidos. Querem-nos complexos, mas dentro do pacote. Complexos dentro do pacote? Há quem pense fazer muito sentido. 

Então, consciente ou inconscientemente, contemporizamos dados, fatos, situações, discursos e colóquios que ponham em xeque as convicções daquilo que nos traz fama entre um determinado rol de leitores. Neste momento radical e polarizado, ponderar tudo coisa a coisa afasta muitos deles, que pedem “coerência” como quem alega que é um desatino torcer para o Palmeiras, mas elogiar as qualidades do Corinthians. Os mesmos que te aplaudem por ser crítico da esquerda e contrário ao aborto são os que dirão “ué, está confuso?” se você arriscar um texto bastante incisivo contra todas as religiões e outro a favor da descriminalização de todas as drogas. Então você joga para quem te aplaude. E se tem alguma opinião que desagrada a esse público, você a esconde – ou a elabora todo cheio de dedos, como se carregasse um filhote de passarinho. É uma espécie de venda, um desejo carente de pertencimento, e acontece de todos os lados. Acompanho muitos escritores que começaram serenos e foram radicalizando na interação com o público, perdendo a metodologia clara e equilibrada com que costumavam tratar os problemas. 

Fazer de conta que Bolsonaro não é pauta fundamental garante que alguns filósofos, jornalistas, escritores e influenciadores em geral mantenham certas adesões. A plateia que eleva é a mesma que poda. Tem quem não queira perder esse abraço. 

Arrependido com opções


Bolsonaro é tão ruim que algumas pessoas já estão aceitando qualquer coisa no lugar dele. O problema é que além de terem sido responsáveis por sua eleição, esses arrependidos não demonstram ter captado a importante lição de não endeusar homens, especialmente políticos. Muitos estão há algum tempo endeusando figuras problemáticas como Mourão, Moro, Mandetta, Doria. Dada a calamidade, concordo que qualquer um desses senhores faria uma gestão melhor, mas não devem ser louvados. Todos apoiaram a promoção estratosférica desse funcionário inapto e grosseiro, todos acharam que seus defeitos horrendos não eram “nada de mais”, todos são responsáveis pelo esgoto na pauta diária. Ser uma opção menos pior não é ser uma boa opção. 

Arrependido tardio


É pedagógico sobre o caráter dos outros acompanhar em que momento passam a se sentir ultrajados com o absurdo. Se alguns de nós ficamos nauseados só com o fato de Bolsonaro concorrer à presidência, há quem não tenha visto nada de errado em seu passado como deputado, naquele seu presente como candidato que proferia delírios e no possível futuro no cargo político mais alto do país. Elegeu-se. Parecia ter feito promessa para um Santo peculiar, que consistia em: “se eu ganhar as eleições, prometo que no mínimo uma vez por dia vou dizer ou fazer algo que escandalize a imprensa e os acordados”. Tomou posse e só piorou. Mesmo assim, passou janeiro, fevereiro, março, passou o ano de 2019 inteiro, e Bolsonaro ainda tinha apoiadores. Janaína Paschoal, mulher estudada que saiu de si alucinando na Performance da Cobra, causou ainda mais espanto ao aceitar fazer parte do entorno desse homem. E foi contemporizando seus desatinos, e criticava os erros com a paciência de um padre velho, e dava surra em Bolsonaro com chinelos de lã. Só foi romper com ele e chamá-lo de louco com a crise causada pela pandemia do coronavírus. 

A pergunta é: antes tarde do que nunca, mas por que tão tarde? 

Sérgio Moro abandonou duas décadas de magistratura para apostar suas fichas na possibilidade de que Bolsonaro o colocaria no STF caso aceitasse, antes disso, ser seu Ministro da Justiça. Empolgado, Moro achou que aquilo que Bolsonaro representava de vil, ditatorial e incompetente era coisa menor. “Comigo vai ser diferente”, deve ter pensado, imaginando-se em alta conta e acreditando que um homem rústico movido pelo ódio não poderia mudar de ideias. Parece a mulher iludida casando com notório cafajeste e tendo fé de que com ela as coisas serão diferentes. Bolsonaro mudou de ideias – em relação à estima a Moro. Não gostou da atenção que a imprensa lhe deu. Abafou-o. Tirou a carta branca que prometera ao Ministro. Humilhou-o como pôde. Moro saiu do governo tardiamente, sem ser Ministro e sem ser juiz. Há quem tenha pena dele, achando que foi enganado, mas Moro já disse em entrevistas que não se arrepende de ter embarcado nesse navio fantasma porque “era a opção que havia na época”. Não merece pena alguma: ajudou a eleger Bolsonaro – a motivação de sua liberação da delação do Palocci às vésperas das eleições está até hoje mal explicada –, aceitou participar de seu governo que é uma afronta à decência, ficou no governo por tempo demais. 

Lya Luft, escritora, professora universitária, tradutora, ex-esposa de um dos maiores gramáticos do país, votou em Bolsonaro. Pelo que dá a entender ao dizer que “Alckmin estava muito sem possibilidade”, votou já no primeiro turno, o que é ainda mais alarmante. Agora diz que se arrependeu. Alega ter se arrependido “em seguida”. Primeiro eu quis acreditar neste “em seguida”, mas, pensando melhor, não faz sentido. Por que alguém que votou em Bolsonaro no primeiro e no segundo turnos se arrependeria em seguida? Em seguida Bolsonaro não foi muita coisa diferente do que já tinha sido em campanha. Lya não se arrependeu “em seguida”, Lya se arrependeu tarde demais, confessando o voto sem cabimento em junho de 2020. Como Janaína, precisou do novo coronavírus para ver que Bolsonaro é um sujeito frio, baixo e incompetente?

Lya não precisaria confessar esse voto trágico, mas parece que desejava expiar a culpa por ser uma das responsáveis por tudo que aí está. Merece ser muito criticada, realmente. Mas linchadores de internet exageraram ao chamá-la de “Barbie geriátrica fascista” e desejar que morresse. Não quero bolsonaristas como companhia, mas quereria tampouco esses linchadores desumanos pedindo a cabeça de uma senhora por causa de seu lamentável voto. O horror, o horror. Vamos deixar para desejar a morte de quem realmente merece

“Isento” 


Diz que não votou em Bolsonaro no segundo turno “porque era tão ruim quanto Haddad”. Mas anda bem calado sobre Bolsonaro. Estaria calado sobre Haddad se este fosse o presidente agora? 


Se pode existir algo de bom com a eleição de Bolsonaro em 2018 é que talvez tenhamos antecipado o problema. Dada a situação de ódio e polarização em que estávamos (e estamos), se Haddad entrasse e não salvasse o país, como muitos esperavam que o novo presidente heroicamente fizesse, o caminho para Bolsonaro em 2022 estaria muito fácil. Arrisco dizer isso esperando que ele não seja eleito em 2022, mas as urnas já me surpreenderam tanto que não posso apostar muito em conscientização popular por meio da experiência. Que a oposição possa erguer um candidato que consiga vencer o absurdo. Quase qualquer coisa é melhor que Bolsonaro. 

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NOTAS

1. A música noturna, vampiresca e “de castelo” que encabeça esta postagem se chama Your best nightmare. Não tem a ver com o texto, como geralmente as músicas que indico não têm. Para ter a ver com o tema desta parte do compilado, teria que se chamar Your worst nightmare.   

2. Bolsonaro expurgou Decotelli por racismo? Certamente o presidente não entende nada da importância, no mínimo formal, das titulações acadêmicas. Incomodou-se não tanto com as mentiras de Decotelli, mas com o barulho que elas tinham causado na imprensa antes mesmo da posse. Junte-se a isso o fato de parecer há muito tempo bem inseguro em quem colocar no Ministério da Educação e aí ficou fácil defenestrar um homem que ainda não tinha entrado direito no governo e já estava lhe dando dores de cabeça por má repercussão. “Mas Decotelli foi defenestrado com rapidez por causa do racismo, porque negros têm menos direito de errar.” Enquanto só havia uma mentira em seu diploma, Bolsonaro estava mantendo Decotelli. Mas aí surgiu outra. E uma denúncia grave de plágio. E a FGV usou de modo matreiro um jogo de significados para dizer que Decotelli não era do quadro de funcionários da instituição (quando era). Creio na hipótese de um grau de racismo na contratação de Decotelli. Seria outro token no governo, como Hélio Negão, e Bolsonaro estava fascinado por um homem negro com tantas titulações que poderia usar como “prova” de que fazia inclusão racial. Queria usar um homem negro para mitar (o equivalente direitista ao “lacrar” esquerdista), mas não deu. Decotelli foi expurgado como tantos outros brancos. 

Esses brancos geralmente saíram porque Bolsonaro, como projeto de ditador que é, sofre de intensa paranoia. Decotelli, ao ser retirado, também foi paranoico ao assegurar que a motivação foi racista. Se tudo que acontece de ruim a um negro é racismo, tudo que acontece de ruim a um branco é o quê? Azar? Incompetência? “Este negro não foi contratado por racismo. Já este branco não foi contratado porque não tinha as qualificações esperadas. Este negro não consegue uma namorada por racismo. Já este branco não consegue uma namorada porque não tem charme e segurança. Este negro é pobre por racismo. Já este branco é pobre por incompetência. Este negro está preso por causa do racismo. Já este branco está preso porque é bandido. Este negro não consegue catapultar sua carreira jornalística por racismo. Já este branco não consegue catapultar sua carreira jornalística porque não é um bom jornalista.” É assim que os radicais do movimento negro nos ensinam a ser antirracistas? Que lástima. Reconheço o poder funesto do racismo inconsciente – que Sílvio de Almeida chama de “não intencional” –, mas parece que essa receita foi longe demais: aplicada a tudo, não se aplica a nada. “Racismo estrutural” usado para qualquer coisa adversa que aconteça a uma pessoa negra é paranoia estrutural.


3. Decotelli não aprendeu com os erros. Em seu currículo no Lattes, escreveu que atuou como Ministro da Educação entre 25 e 30 de junho de 2020. Não “atuou” nada. Está mentindo outra vez. 

4. Radicais do movimento negro são duas vezes anticientíficos. Na primeira vez por acharem que quaisquer epistemologias criadas por pessoas negras (?) são ciência e que pessoas negras escrevendo opiniões na universidade estão fazendo ciência. Nem críticos literários renomados atuando em universidades pedem para serem chamados de cientistas. Na segunda vez porque criaram um modelo de conhecimento religioso ao redor de suas determinações sobre racismo, de forma que a observação e a falseabilidade não alcançam suas teorias. Quando um teórico radical negro cria uma estatística falsa sobre comportamentos racistas na sociedade, mostrar que a estatística não procede é racismo. Contestar as determinações de radicais negros sobre o que é racismo – isso é racismo. Dizer “observei as atitudes dos contratadores com outros candidatos e Romeu, negro, não foi preterido por causa de racismo” – é um racismo “que quer manter privilégios e explica o pacto narcísico da branquitude”. Esses radicais, portanto, criaram uma religião: contestar dogmas religiosos é pecado, blasfêmia e heresia. Dentro das seitas não há nenhuma novidade na criação desses argumentos fechados, circulares, que impedem seus membros de pensar. Pensar é pôr em dúvida o dogma, e é proibido duvidar do dogma. O inconveniente é que essa seita, como outras dentro do identitarismo, não está em seu lugar de seita – está avançando para dentro dos jornais, da política e das universidades. E com aparência de virtude, e pondo sentimento de culpa em quem não tem culpa de nada, e fazendo zumbis creditarem tudo ao racismo estrutural.

5. Sabemos o mal de muitas falácias para a boa argumentação, mas também devemos saber que existe a falácia da falácia, que consiste em descartar um argumento íntegro porque há uma falácia suave ali no meio. Acabo de ler um comentário deixado à minha avaliação, na Amazon, a um livro de Djamila Ribeiro. O comentarista diz que incorri na falácia do ad hominem. Não nego, até gosto: se no meio de extensa argumentação há algum ad hominem bem colocado, dependendo do veículo onde está não vejo problema. Ad hominem esporádico no meio de longa argumentação faz o charme de tantos polemistas e a própria Djamila já fez uso desse expediente muitas vezes na internet. Problema real é ad hominem puro, sem argumento, como Olavo de Carvalho faz. Olavo escreveu a introdução e os comentários para uma edição da Topbooks de um texto de Schopenhauer chamado Como vencer um debate sem precisar ter razão. Eu sempre quis acreditar que era um texto satírico, pois não combina com outros textos de Schopenhauer, mas não estou segura dessa conclusão favorável pois minha estima pelo filósofo pode influenciar minha inclinação defensiva. O texto é basicamente isto: se não consegue vencer um debate, xingue o oponente. Olavo de Carvalho dá diariamente mostras de que não consegue vencer debate nenhum, pois é puro xingamento de oponentes sem nenhum argumento. Está nu na praça.

Ocorre que este comentarista da Amazon apontou apenas o que são meus “xingamentos” e não refutou nenhum dos meus inúmeros argumentos. A única crítica aos argumentos é que eles refletiriam um preconceito que o livro de Djamila combate (?). Assim voltamos à análise de que esses radicais estão promovendo uma seita onde é proibido contestar os dogmas: não posso criticar o livro de Djamila porque isso já é, por si, preconceito contra negros. É uma deusa irrefutável à espera de oferendas nas águas de Santos. Se você rezar bastante para ela, poderá ver sua opinião sobre qualquer coisa ser respeitada como ciência.

E quais foram os “xingamentos” que fiz a essa senhora? Dizer que ela padece de paranoia lamentável, que ela tem baixa autoestima, que não entende nada de ciência e que fala coisas que não estão relacionadas ao que faz. Explico por que é paranoica (porque acredita que tudo de ruim que acontece a um negro é por causa do racismo), explico indiretamente por que tem baixa autoestima (porque acha que sua cor a impede de ser ainda mais louvada), explico por que não entende nada de ciência (porque acha que ensaios opinativos são ciência e pensa que professores pedindo a acadêmicos negros para escreverem com metodologia e rigor é racismo e colonização) e explico por que o discurso dela é diferente de suas ações (porque em livros e na mídia banca a pessoa de paz, sendo que promove o ódio e manda discordantes calarem a boca nas redes sociais). Os “xingamentos” foram todos justificados. Sendo assim, onde está o ad hominem escandaloso? Está na cabeça enviesada de quem só enxerga o que quer enxergar. Tem gente que quando não consegue refutar nossos argumentos começa a procurar desculpas para fugir do debate sério. Não admira que esse comentarista tenha caído na rede de Djamila Ribeiro e tenha achado seu texto uma peça com sentido e lógica. Do jeito fraco que interpreta o que lê, é presa fácil de ideólogos mal intencionados.

De qualquer modo, estou lançando este selo:


Assim os senhores param de se prender aos detalhes e pulam para a tentativa de refutar só os argumentos “puros”, sem que os pontuais “ad hominem” atrapalhem suas sensibilidades.

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Neste mesmo artigo em que explica no que consiste o “pacto narcísico da branquitude”, Djamila choraminga porque não ganhou o Jabuti com seu indicado O que é lugar de fala. Segundo ela, não ganhou o prêmio por causa de racismo e por causa do tal pacto. Se isso não é paranoia, Jesus Cristo de Nazaré, o que é isso, afinal? Ah, claro, ““““racismo””””.

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Xuxa já processou canais de comunicação que insistiam na história de que ela tinha um pacto com o diabo. Que fique esperta, porque Djamila deve achar que ela ainda participa de um pacto, o da “branquitude”. E a branquitude é o novo diabo. Cuidado! Tocar os LPs da Xuxa ao contrário mostra mensagens da branquitude!

6. Até hoje é muito raro que possa comentar com alguém o quanto de exercícios pratico e receba uma reação natural, mesmo que não seja colocada em dúvida. 

A – O que fez neste final de semana? 
B – Puxa, costurei um pouco, terminei um livro e caminhei 10 quilômetros. 
C [que estava ao lado ouvindo a conversa que não era com ela] – 10 quilômetros caminhados não é nada, e eu que corri 25 quilômetros em duas horas? 

Uau! Campeã! Paula Radcliffe! Parabéns! Tome uma folha de louro. 

7. Quando meus pais entraram num buraco fanático católico na minha pré-adolescência – especialmente minha mãe –, começaram a assinar a revista dos Arautos do Evangelho. Meu pai lia todos os artigos, pois se sentia muito fascinado pela estética desse grupo e pela escrita primorosa. Notem: muita cooptação de seitas (religiosas, partidárias, identitárias) ocorre por encantamento estético. Tudo corria normalmente para eles, até o dia em que um representante dos Arautos pediu para ir à nossa casa para conversar sobre contribuição financeira. A contribuição mínima que ele sugeriu aos meus pais foi constrangedora de tão alta. Nós morávamos num morro, numa rua sem asfalto ou calçamento de uma das regiões mais pobres de Blumenau, meu pai não tinha renda nenhuma, minha mãe era técnica de enfermagem – e esse homem desligado da realidade achou que não era vergonhoso pedir a uma família pobre que desse uma parte considerável do seu sustento para contribuir com a organização que aplicava com mais rigor os aparentes desejos tirânicos de Deus. Meus pais sempre contribuíram com o dízimo na igreja por acreditar que esse era um dever do bom católico, mas ficaram ultrajados com o apoio que os Arautos esperavam deles. Esse episódio fez ruir a maior parte do encanto que tinham pela organização. 

8. Marcelo Freixo no Copacabana Palace é hipocrisia? Depende. Os países socialistas não têm mordomias e luxos disponíveis para o povo. Mas os homens de confiança do ditador e suas famílias têm à disposição inúmeras coisas finas, banquetes com comida importada e empregados. Leiam sobre Stálin, Fidel, os Kim, Mao Tsé-Tung e vejam como o socialismo de bens era para o povo, não para os governantes requintados. Freixo comemorou seu aniversário na cobertura de um dos hotéis mais caros do Rio de Janeiro talvez porque imagina que se nosso país fosse socialista, como seu partido quer, ele seria parte da elite que tem luxos a seu dispor. É a única explicação para não ser hipócrita; afinal, que país socialista teve prédios como o Copacabana Palace à disposição do proletariado?

9. Na Netflix há uma boa série documental chamada Condenados pela mídia (Trial by media, 2020-), por enquanto com uma temporada de seis episódios. É uma oportunidade rápida de ver como o sistema legal americano permite injustiças graves, como os advogados usam os tribunais como palco para espetáculos (você ri do cinismo desses advogados, mas o fundo da risada é por constrangimento) e como funcionam danosamente alguns estereótipos. O terceiro episódio é sobre um homem negro que “acidentalmente” levou 41 tiros de quatro policiais porque estes entenderam que ele estava armado e invadindo a casa de alguém. Não estava armado, estava entrando na própria casa, tentava tirar a carteira do próprio bolso. No quinto episódio, a história de uma mulher que sofreu estupro coletivo em 1983 num bar dentro de uma comunidade portuguesa instalada nos EUA. No começo do episódio não nos informam o nome da mulher, mas todos os participantes do estupro, como violentadores ou como plateia incentivadora, têm sobrenome português. Por causa disso, alguns americanos começam a ligar para as rádios reclamando que “os portugueses têm que voltar para sua terra, não se adaptaram ao nosso estilo de vida”. Nesse ponto você fica indignado: por que a comunidade portuguesa inteira está tendo que responder por alguns sádicos criminosos em seu meio? Sua indignação não vai longe, porque logo é divulgado o nome da estuprada – e seu sobrenome é português, ou seja, era também uma pessoa da comunidade – e milhares de pessoas dessa comunidade portuguesa saem às ruas para defender os estupradores, alegando que eles estão sofrendo perseguição por serem portugueses! A comunidade não valoriza a denúncia da mulher portuguesa estuprada, mas faz protestos pela absolvição dos estupradores porque acha que sua condenação seria uma condenação aos portugueses nos Estados Unidos. Complexo, não? E mais ainda para quem acha que precisa “tomar lados severos” em todas as questões extremamente complexas e nuançadas que nos atacam na mídia. Recomendo a série. Em respeito a quem não gosta de spoiler, não contei o desfecho dos dois episódios que citei. 

10. Não gosto de menstruar porque tenho cólicas. Geralmente são dores administráveis desde que eu possa ficar deitada e aquecida (se me virem de casaco em temperatura acima de 19 graus, é por isso), mas cerca de duas vezes por ano tenho cólicas que parecem um parto, pois causam contrações tão fortes que me impedem até de andar, induzem o vômito e trazem ainda outros problemas: já desfaleci na rua por isso. Essas cólicas monstruosas parecem um parto não só pela dor extenuante: quando elas acabam, recebo um banho de algum hormônio maravilhoso que me deixa num estado de profunda paz. É o que as mães sentem após parir por meio do parto normal, não? 

Já fiz exames e não tenho nenhuma doença. Não reclamo muito do azar de ter essas cólicas naturais porque procuro pensar nas sortes: herdei do meu pai a completa ausência de dores de cabeça. Passo anos sem nenhuma dor. Obviamente, quando acontece de ter uma dor dessas após tantos anos sem, acho que estou para morrer. 

11. Fronteiras imaginadas. Pense em você favelado com pinta de favelado andando por um bairro rico e sendo olhado como forasteiro. Pense em você com roupas da Lacoste e de pastinha entrando numa favela e sendo olhado como forasteiro. Pense numa patricinha chegando no auge de uma festa gótica. Pense em um nerd estereotipado à moda antiga – óculos de aro grosso, sardas, dentões, roupas impopulares – chegando no auge de uma festa dos reis da escola. “Quem foi o Zé Zoeira que convidou esse cara?” Pense até numa freira entrando numa lotérica ou num monge budista na fila da montanha-russa. 

12. Minha crítica é ao Lobão-opinador-tresloucado. Como músico adoro o que fez. Se LP gastasse, o meu de O rock errou estaria transformado num papel de tanto que ouvi Spray jet, Moonlight paranoia, Revanche e Canos silenciosos. Lobão embalou minha adolescência – musicalmente, muitas vezes estive atrás do meu tempo –, minha juventude e meus vinhos baratos à luz de velas na vida adulta. 

13. Hoje não tomo vinhos tão baratos, mas calculo bem o custo-benefício dos bons vinhos que compro. Não adianta vinho caríssimo neste paladar que não o compreende e que o considera apenas 20% melhor do que outra garrafa que custa 80% menos. 

14. Também consumo entretenimento fácil e zoado, especialmente se me fizer rir. Sílvio e Vesgo no antigo Pânico na TV? Inadequado, inapropriado e ofensivo – mas muitas vezes engraçado. Como podem ver, também sei o tipo de atrações que faziam as noites do SuperPop. Mas acho triste quem busca esse tipo de entretenimento sem moderação e usa-o como fuga. 

15. Se você perceber alguém tentando criar conexão pelo leve toque rápido ou tentando persuadi-lo dizendo “como você mesmo disse antes, XYZ” – sendo que você não disse “XYZ” em momento algum –, a reação vai depender de quem é esse interlocutor. Se for uma pessoa leve com a qual tem intimidade, pode dizer rindo “ei, pare de querer aplicar técnicas de negociação em mim que eu já conheço todos os truques e isso está soando ridículo, haha!”. Se não tiver intimidade com o vendedor e quiser demonstrar incômodo, pode congelar por dois segundos um olhar seco na área do seu corpo que a pessoa tocou levemente ou retrucar “como eu mesmo disse? Em nenhum momento eu disse isso, isso quem está dizendo é você” quando o interlocutor tentar te empurrar uma ideia dele parecendo que foi sua. Ou pode fingir que não percebeu a intenção e deixá-lo acreditar que não foi desvendado, pensando ele com seus botões “será que está dando certo?” ou “será que estou aplicando direito?” quando não obtiver todos os resultados desejados. Táticas de negociação são boas... contra quem não as conhece.

16. Bolsonaro é um fixado doentio que precisaria de atendimento psiquiátrico. Sua obsessão com a Folha de S.Paulo já o fez dizer que demitiria qualquer ministro que fosse elogiado por ela.

17. Na mesma Folha, sempre encontramos assinantes comentaristas que são fixados pelo Lula. Estamos em 2020 e às vezes em notícias sobre tema que não diz respeito à política lá estão os fixados arranjando um jeito bizarro de falar do Lula. A notícia é sobre entregadores de aplicativo, decoração de apartamento ou museus de arte e aparece o doente com seu monoassunto perguntando provocações sobre Lula e o PT. 

18. Uma amiga bem definiu os fixados, que nos tratam como um Sol ao redor do qual orbitam para o bem ou, na maioria das vezes, para o mal: “são pessoas que vão dormir pensando em nós”. Cheios de joguinhos, teatrinhos e querendo chamar nossa atenção – até fingindo que nos desprezam, apesar de sempre atentos a tudo-tudo-tudo que fazemos –, esses indivíduos merecem mais nossa pena do que nossa raiva. Nem nossas mães vão dormir pensando em nós tanto quanto eles pensam em nós. Merecem que apareçamos em sua frente com uma camiseta: “arranje uma vida e largue do meu pé”. Podem ser vizinhos, colegas de sala, professores (!), colegas de trabalho, parentes e, horror dos horrores, até nossos “amigos”. Não confunda com admiradores. São fixados. Vibram quando caímos e têm obsessão negativa por nós. 

19. Não confundir, também, fixados com críticos. Pessoas que são criticadas com razão às vezes têm complexo de estrela e dizem que seus críticos estão fixados por elas. Mas se você tirar aquelas ideias que estão sendo criticadas com razão na pessoa, o crítico deixa de tratar dela. O fixado, não: seu ódio é uma paixão, ele nos quer inteiros, não só nossas ideias, e se pudesse seria uma mosca que vem espionar nossa casa para saber o que fazemos de secreto e como somos quando estamos tomando banho pelados. Ele não é uma pessoa normal, jogando o nome dos outros no Google e olhando os primeiros resultados: ele quer saber sobre nós tudo que há até a página 15, nem que na página 15 haja apenas uma menção a um torneio de esculturas com casca de laranja que ganhamos em 2002. Minha família já teve um vizinho que entrou na nossa casa (pensando que ninguém retornaria tão cedo) para vistoriar nossas coisas (!) porque era um fixado doente, mostrando que a fixação pode descambar para o crime. Parece fanfic, mas não é. Só que isso é assunto para aprofundar em outra parte do compilado. 

20. Quem pensa que toda burrice é “não intencional” está enganado. Nossa modernidade que conecta as pessoas facilmente pela internet criou grupos que têm orgulho da própria estultice. Eles assumem que odeiam livros, que não entendem de História e Ciência, que detestam intelectuais e cientistas, que a vida deveria ser um eterno churrasco sertanejo. O próprio Bolsonaro é assim. 

21. Como é que mais de 130 mil funcionários públicos, aposentados e pensionistas conseguiram resgatar o auxílio emergencial se a Caixa poderia procurar seus nomes em bancos de dados do governo para averiguar se já não estavam recebendo proventos? Não pode ser porque supuseram que “imagina se algum funcionário público vai ter coragem de solicitar um dinheiro de que não necessita”. Seria muita ingenuidade. 

22. Regina Duarte criou corvos e eles lhe sacaram os olhos. E ela sabe que a posição de filha pródiga da decência dificilmente funcionará como estratégia para limpar sua imagem. Por que apoiou Bolsonaro? Fazemos mal em atribuir motivações de porte a pessoas como eu e você que agem também impulsionadas por coisas ordinárias. Regina envelheceu amarga. Não aceitou a decadência física e artística, ressente-se de não estar mais nos holofotes. Passa a achar, então, que isso não faz parte da vida, mas que isso foi pela decadência do Brasil. Quando contemporiza e elogia o tempo da Ditadura Militar, está tecendo loas à sua juventude, ao seu estouro como atriz, ao bafafá que causava como “namoradinha do Brasil”. Ao decidir apoiar Bolsonaro, disse: “Foi quando notei o tamanho da adesão desse país ao Bolsonaro e pensei: eu sou esse país, eu sou a namoradinha desse país.” Parece que ela gostaria muito de ainda ser a namoradinha desse país. E não se conforma que não é a namoradinha de mais ninguém. É uma tristeza não saber viver em solidão, não saber envelhecer em paz – e terminar a vida sendo lembrada como a mulher que foi escorraçada por um homúnculo como Bolsonaro após ter colocado tanta fé nele. 

23. Nós que escrevemos sobre várias coisas escolhemos nossos focos. Não faz sentido que tenhamos que tratar igualmente tudo que afeta nossa época, porque temos o direito de especializar a abordagem para os assuntos que nos interessam e para aqueles que consideramos mais importante combater ou elaborar. Mas se alienígenas do futuro se voltarem para um planeta Terra acabado e tentarem entender o que aconteceu em determinada época tomando como referência nossos textos, será muito estranho se encontrarem silêncio sobre temas que depois eles verão como bombásticos nos jornais da mesma época. Bolsonaro é um problema grande demais para que não seja citado, criticado, execrado. Se o alienígena do futuro faz um histórico da Carolina Ferraz para entender por que ela não repudiou o elefante do Bolsonaro, entenderá que ela sempre teve uma posição “apolítica”: não falou de Bolsonaro porque não queria falar de político nenhum nunca. Entretanto, se o alienígena pega o histórico de textos e opiniões apaixonadas de um antilulista febril que em 2018, 2019 e 2020 continuava falando só de Lula – fazendo de conta que Bolsonaro não existia –, sabemos o tipo de “integridade” e coerência desse antilulista. Estamos fazendo um mínimo registro decente do nosso período histórico? Nós que opinamos sobre coisas demais não podemos agir como se certos elefantes não estivessem dentro da nossa sala de estar. 

24. Gazeta do Povo é o jornal que para conquistar assinantes exibe um banner onde se veem três de seus “maiores” colunistas: Guilherme Fiuza, Alexandre Garcia e Rodrigo Constantino. Já poderia encerrar o caso assim, mas há pessoas que confundem ponderação com completa-perda-de-tempo-com-o-irrisório e acreditam que ler opinadores com baixíssima probabilidade de gerar conteúdo aproveitável é válido “porque dentre várias brisas erradas há uma ou outra coisa útil”. O dia desses senhores deve ter a duração de um dia em Vênus para acreditar que vale a pena perder vida chafurdando na lama à caça de um pequeno ponto que preste em certos escritores. 

– Olá, queridos visitantes! Como podem ver, neste lado temos um campo florido belíssimo. Dificilmente vocês encontrarão algo de errado, como uma praga nas folhagens ou fezes pelo chão, mas há uma remota possibilidade de acontecer, então estejam avisados. A tendência é que o passeio pelo campo florido seja apenas magnífico, pois raramente outros visitantes encontraram problemas para nos reportar. E deste outro lado temos lama. Lama, lama, lama. É muito difícil achar qualquer coisa de bela aqui, mas após dias de busca já aconteceu de nossos funcionários encontrarem plantas no meio da lama. É raro, mas possível. Bem, já estou imaginando o que vocês escolherão visitar, hein? :) 
– [em coro robótico] Queremos visitar a lama. 
– A lama? :( 
– [em coro robótico] Pode ter plantas lá. 
– Mas por que desejam procurar plantas na lama sendo que no campo florido aqui deste lado as plantas já estão todas tão destacadas e acessíveis? 
– [em coro robótico] A lama pode ter plantas. Queremos dar chance à lama. 

Parece haver um número até considerável de pessoas que faz esse cálculo bizarro. Será uma tendência suicida? Quem mata o tempo assim de certa forma também está se matando. 

25. Um dia em Vênus equivale a 243 dias terrestres. 

26. Lula, vaidoso, tem evitado participar da união de diversos partidos contra Bolsonaro. Não quer perder protagonismo. Não é novidade. Lula sempre soube que o povo que decide os rumos do país gosta de líderes populistas, como ele, com carisma, oratória e paixão. Mas Lula nunca indicou um nome nesses moldes para concorrer à presidência pelo PT. Por quê? Porque não quer ser superado por ninguém dentro de seu partido. Quer ficar para a história como o todo poderoso. Nota-se sua grande falha de caráter ao eleger essas prioridades vulgares quando o país está preso no Dia da Marmota com Bolsonaro. 

27. Bolsonaro é o homem que é a favor da tortura para obtenção de confissão, mas nunca defendeu torturar os executores de Marielle para descobrir quem foi o mandante. No dever da tortura, uns são mais iguais que outros.

28. Meu namorado criou uma cena que me alegra. Ele disse: “Bolsonaro tinha que ser tirado do poder na base da vassourada”. Imagino isso e é o modo perfeito de Bolsonaro sair do poder. Perfeito. Seria apenas sublime. É o modo como enxotamos os vadios que causam problemas nos botecos.

29. Leitores que leem este blog no celular talvez se perguntem por que ele não é responsivo, ou seja, por que ele não se adapta à tela do celular. Desativei essa opção no Blogspot. Peço desculpas por isso, mas a versão responsiva do Blogspot é extremamente feia: troca a tipografia que escolhi usar, não deixa nada de margem, espaça as palavras de jeito estranho e heterogêneo. Já aumentei bem o tamanho da fonte para que isso possa compensar um pouco tal problema e entrarei em contato com o Blogspot para sugerir mudanças.