sábado, 8 de dezembro de 2018

Notas sobre lugares, pessoas e hábitos: as comidas, as bebidas e outras coisas


Escrito ao som de Public Image Limited, “Open and revolving” e “Fat chance hotel” 

Dizem que é preciso comer certos alimentos vinte vezes até que o paladar aprenda a apreciá-los. Na minha última visita a Ilha Solteira (São Paulo, mas quase Mato Grosso do Sul) devo ter comido rúcula pela vigésima vez ao colocá-la banhada em azeite, sal e limão no meio de um pão francês, porque de repente meu paladar se abriu e senti encantos pela mistura. Não ocorrerá o mesmo com o coentro, porque contratei degustadores particulares para me impedir dessa intoxicação de comer qualquer coisa que tenha coentro: não chegarei a vinte vezes com esse estranho vegetal. Meus detratores que tentam me presentear com esse veneno já estão avisados. Causarão a doença das pessoas erradas, de inocentes. Bolem outro plano. 


Nos cardápios europeus (o bufê comum no Brasil é raro lá fora) há pratos que vêm nomeados com detalhes, mas a salada às vezes é aquilo genérico como o simples “rock” que não esclarece coisa alguma: “salada”. Caso se pergunte, como quem quer ser surpreendido, “o que será a salada?”, saiba que na imensa parte dos casos é rúcula. Rúcula aside, rúcula em cima do risotto, rúcula em cima da pasta. Nós, brasileiros, quando chamados a pensar rapidamente em saladas, diremos “alface e tomate”. Europeus dirão “rúcula”. 


Gostei muito de conhecer Santiago, Lisboa e Porto, mas as três cidades têm um problema: coentromania. (Também já reclamei de outra sina de Santiago, que é o péssimo hábito de colocar abacate em tudo e achar estranho nosso pedido de querer uma versão sem. No quintal da minha casa em Blumenau havia três abacateiros e comíamos muito quando era época. Então enjoei. Hoje gosto de pouquíssimas coisas com abacate.) 


Viajando percebi meu lado velha: aprecio comidas que já conheço, não gosto de inovações e experimentações, não compreendo por que colocam crianças surrealistas insanas para temperar os pratos nas cozinhas. Havia um restaurante em Roma que colocava erva-doce na comida salgada (não, não era na conserva de pepino). Outro colocava alecrim demais. O uso de tomilho seco foi uma terceira tragédia. Há uma lenda de que “pratos veganos, para serem bons, precisam de muito tempero”. Quem lê essa recomendação de um jeito fatalista colocará tempero demais, ou misturará coisas absurdas – “aqui um pouco de manjericão, que tal uma pitada de tomilho?, pimenta-do-reino, quem sabe açafrão?, traga um ramo de alecrim” – que darão vida a uma monstruosidade frankensteiniana. Muitas vezes bastam azeite, alho, sal, limão, pimenta dedo-de-moça. 


Para desmanchar uma imagem de fresquíssima que pode ter grudado na mente de quem lê, aviso que meus pratos prediletos são muito simples: arroz, feijão-preto (sem poupar no alho; farinha de mandioca torrada caso o feijão tenha muito caldo) e salada; batatas assadas com azeite, alho, orégano (pouco) e pimenta dedo-de-moça; berinjelas assadas com azeite e alho; creme de lentilha vermelha; pizza de uma pizzaria particular de São Paulo que usa queijo de castanha de caju. Também aprecio muito uma combinação que tantos acham criminosa: macarrão (cabelinho de anjo grano duro) com molho de tomate e feijão. É ótimo. Quem não come não sabe o que está perdendo. Para o cafezinho da tarde, descafeinado e um naco de doce não muito doce. Tudo simples, saboroso e sem quinhentos temperos que passam informação demais. 


Minha pizza favorita no mundo é feita numa pizzaria de São Paulo que não é vegana (tem opções veganas). Prefiro dar dinheiro para estabelecimentos veganos, mas não sei como proceder quando descubro que um lugar não-vegano está fazendo determinada comida melhor que muitos veganos. Melhorem, empresários veganos, e tenham mais requinte para apresentar a quem já passou da fase de aceitar “catupsoy” com farelo de soja por cima. 


Roma foi uma decepção em matéria de restaurantes (jamais em matéria de pontos de visitação, pois tropeça-se em peça histórica a cada esquina). Pensei que seríamos recebidos com banquetes, fartura e bom vinho jorrando das fontes. Para comer e beber bem, entretanto, era preciso pedir vários pratos, o que levava a um gasto absurdo. Em um restaurante particular, o dono tentou conquistar nossos bolsos com muito papo furado e elogios: e eu lá sou de me hipnotizar por papo furado e bajulação? 


A pior refeição que já fiz na vida: Valparaíso, Chile, um restaurante ovolactovegetariano. Entramos somente porque tinha opções veganas, estava no caminho e tocava All mine, do Portishead. Os pratos não eram apenas ruins – eram nojentos, nauseantes, de pensar “estou dentro de um filme do Cronenberg e estou para me transformar numa mosca?”. Eu sei que parece horrível dizer uma coisa dessas – “a comida era um nojo, eu estava prestes a vomitar nas paredes” –, mas garanto que nunca vi comida horrível como aquela a ponto de me levar a declarações tão fortes. A cidade não ajudava: chegar a Valparaíso de ônibus e descer na rodoviária é uma visão do inferno (o nome “Valparaíso” é um deboche) de tanta bagunça e tanta sujeira. Eu já tinha concedido troféus “O Lixo” para bairros da Cidade do México e de São Paulo, mas descobri Valparaíso e tive que rever minhas avaliações por causa do novo forte competidor. 


Falei da pior refeição, que ocorreu no Chile. Mas os piores lugares para comer de modo geral foram Buenos Aires, Glasgow e Edimburgo. No caso de Buenos Aires, suspeito que a comida assustadoramente ruim seja um trote reservado aos veganos, pois muita gente volta de lá sem reclamar após ter ido a cafés e churrascarias (assassinos!, torturadores!). Já a Escócia, que nos deu tantos pensadores e cientistas importantes nas Idades Média e Moderna, parece ter mantido a culinária desses períodos históricos para celebrar essas figuras, homenageá-las. A fim de compensar a péssima comida medieval, há abundância de bebidas: só em Glasgow, a cidade das chuvas quase todos os dias, há quatro pubs veganos enormes. A comida na Escócia tem algumas possíveis personas: a) Gororoba – um misto de coisas não identificáveis a menos que se pergunte do que se trata; b) Insossa – o país é quase todo rodeado por água salgada, onde foi parar o sal?; c) Festival de pimentas – quem não sabe apimentar um prato acha que “quanto mais pimenta, mais sabor”, mas o alimento fica obviamente estragado quando muito apimentado e é impossível sentir o sabor de qualquer outra coisa após boca e língua ficarem anestesiadas de tanta picância; d) Ingredientes usados como pratos prontos – tofu cru enrolado em um lençol de alga não é imitação digna de peixe, e tofu deve ser usado como ingrediente (assado em tiras com temperos até torrar vira um ótimo “torresminho” para o feijão), não como prato, pois não tem gosto de nada; e) Da lata para seu prato – o nome é autoexplicativo e basta ver produções de cinema escocesas/inglesas para perceber do que se trata a febre dos enlatados daquelas bandas. 


Há um pequeno antro ovolactovegetariano em Edimburgo que vende batatas recheadas. É de fazer fila. E é de se preocupar com as papilas gustativas deterioradas dos que estão ansiosos na fila, pois as batatas deveriam ser embaladas num papel onde está a letra de Welcome to my nightmare, do Alice Cooper. Primeiro, batata é um alimento delicioso e simples – basta sal e azeite para ficar boa –, e nesse lugar comi a pior batata já existente na jornada da existência. Era gigante e lamentável. Segundo, o recheio: poucos sabores para veganos, e dentre eles um Festival de pimentas e um Feijão em lata direto para sua batata. A “arquitetura” caída e os atendentes com naturalizada cara de desprezo não ajudaram a melhorar a experiência. 


No geral, o melhor lugar para veganos que comem fora e gostam de beber: Madri. Há diversas cidades europeias boas para veganos, mas se tivesse que escolher uma só, elegeria Madri. Ela sai completamente dessa coisa meio antiquada do veganismo namastê aplicado à alimentação, que abomina álcool e frituras. Não é o que procuramos quando viajamos. Em Madri a maioria dos restaurantes veganos têm um estilo que puxa para o bar, e há muitas bebidas e as tais deliciosas croquetas (nosso “croquete”). Ou seja, sabe-se festejar. 


Outro lugar muito bom para beber e comer bem é Berlim, que merece menção honrosa como cidade receptiva a veganos. 


Gosto muito de beber, mas conversa de bêbado me incomoda. Enquanto muitos veem no bêbado alguém engraçado, eu vejo nele alguém prestes a se tornar muito chato, pegajoso (“você é tipo família para mim, eu te amo, juntos como família para sempre”) ou agressivo. O bêbado também esquece das coisas, e não compreendo a alegria de viver um momento se não puder me lembrar dele depois, assim como não gosto de estar falando em vão com quem não esteja prestando atenção porque está zonzo de bêbado. Se fosse para gostar de falar sem que me dessem atenção, teria me tornado professora, já que o papel carimbado para isso eu tenho. O ponto bom da bebida, na minha opinião: ficar alta. Alta, dançante, cantante, sem, no entanto, estar bêbada. 


Mas há conversa tão incômoda quanto a do bêbado: a do abstêmio quando quer falar mal de bebida e de quem bebe. O abstêmio não sabe medir proporções alcoólicas: para ele, alguém que bebe um copo de cerveja por dia é alcoólatra e precisa de tratamento. O abstêmio vê alguém que bebeu ficar mais animado e já fala, colono, “haha, o Zé já está bêbado, está até cantando” – ou seja, beber duas cervejas é “estar bêbado”. O abstêmio acha que beber é para “ocasiões especiais”: se você chega do trabalho numa quarta-feira, serve-se um copo e tem um abstêmio como visita, ele vai se preocupar com a estranheza de você estar bebendo numa noite do meio da semana. (Abstêmio querido: minha vida é toda especial, então qualquer momento que não seja antes do meu trabalho ou durante ele é uma “ocasião especial” que pode ser acompanhada por bebida.) O abstêmio que raramente bebe é vítima da nossa misericórdia: sair para beber com ele se torna um evento, porque ele bebe tão poucas vezes que quando bebe acha que está vivendo um ritual de passagem, que transgrediu as convenções sociais, sente como se beber no sábado como despedida dos colegas de curso fosse a aventura do ano. Vai falar por meses “lembra aquele dia em que a gente bebeu?, foi insano!”. 


Alemanha e República Tcheca rivalizam em matéria de quem mais bebe per capita e na produção de boas cervejas. Apesar de a Alemanha ser um dos meus países preferidos, é preciso admitir que a produção de cerveja da República Tcheca é melhor em impressionar. Há bares punks e de metal em Praga que não têm letreiro na porta; só sabe que atrás daquela porta decadente – com belo prédio antigo em cima – há um bar aqueles que já conhecem o bar. Dentro, estilo cru de “aqui se bebe, não fazemos pratos ou fritas, calouro”. Pois qualquer cerveja barata que se peça é maravilhosa, saborosíssima, e dificilmente dá ressaca. A cerveja mágica é, lá, uma banalidade. Meu namorado e eu fomos visitar um casal que nos serviu cerveja em garrafa de plástico. Ambos pensamos, sem precisar fazer contato visual, “cerveja em garrafa de plástico?”, e ambos tivemos que morder a língua porque aquela cerveja tcheca barata em embalagem ruim era ótima. 


Suécia é um país de chorar de lindo para você visitar antes que seja transformado pela invasão muçulmana fecundante. Os simplistas fanáticos por maniqueísmo e por posar de justiceiros vão gritar, aqui, “xenofobia!”, mas todo ano testemunho pessoalmente a mudança da Suécia e também sei do potencial que um povo ansioso em fazer filhos tem de passar a dominar um lugar (muçulmanos têm sanhas expansionistas, e há previsão de que daqui a poucas décadas serão maioria na Europa). Ainda assim, aqui não é lugar para detalhamento de fatos que definhem o romantismo dos tapados defensores de “um mundo sem fronteiras”, portanto deixarei a continuação do meu protesto à abertura descontrolada de portões europeus (abertura mal pensada que criou um choque cultural capaz de fazer renascer a direita extremista, e com mais adeptos) para outra postagem. Por enquanto, fiquem com esse conselho de visitar a Suécia o quanto antes, mas preparem-se para se adaptar a restrições alcoólicas. É proibido beber na rua e não se vende bebida com alta graduação alcoólica (mais de 3%) em supermercados. As cervejas fracas disponíveis são conhecidas como cat piss. O país tem um mercado especial de propriedade do governo que vende somente bebidas alcoólicas, chamado Systembolaget, aberto em horários restritos, ou seja: se às 21h de um sábado você quiser comprar cervejas com graduação alcoólica de 6%, vinho ou vodca, não encontrará, a menos que vá a bares autorizados (desde que seja para beber no local, não para comprar e levar). Os suecos estão adaptados a esse sistema que existe há muitos anos com vistas a combater excessos, e por isso sempre se organizam para comprar o que precisam nos horários em que o Systembolaget está aberto. Quanto a estabelecimentos como bares e restaurantes, é trabalhoso conseguir a permissão para vender bebidas alcoólicas, por isso não se vê tantos bares nas ruas de Estocolmo quanto se vê em outras capitais. Se quiser beber cerveja boa e “barata” numa cidade cara como Estocolmo, há um bar muito bom no centro chamado Carmen. É só para beber, não para comer. Tem comida, mas é medíocre, como se tivesse sido feita por homens solteirões sem nenhum rigor culinário. Não duvido que outras mesas possam dar uma olhadela para um casal de estrangeiros cheirosos que pediram comida e rir “olha ali, pedindo comida no Carmen, haha”. 


Comportamento a lamentar: aquele que se excita com comida grátis. Isso não tem classe social, pois há pessoas com salários polpudos que não são capazes de ir à confeitaria comprar um classudo pedaço de bolo, mas quando veem bolo grátis no aniversário do colega de trabalho, na confraternização do curso, na abertura de um evento, preparam-se com toda a sua gula. Os mesmos sujeitos gostam de regular com severidade comidas e bebidas que possam, eles, oferecer aos outros. Minha teoria é de que pelo menos 80% dos empolgados com comida grátis são avarentos. E a avareza, não me interessa o que dizem os gurus da poupança “é de moeda em moeda que você vai se tornar um milionário”, é um defeito pavoroso. 


Não confundam minha mão aberta com desperdício e farra. Acho absurdo luz acesa em sala sem ninguém, calculo o custo-benefício do que compro e faço bom uso do dinheiro que recebo porque vendo 35h semanais do meu livre ser para um bom empregador (o Estado). 


Já que acordo tarde, o almoço é a primeira refeição que faço no dia. Viajando às vezes acordo mais cedo do que o habitual para aproveitar a cidade, mas na Espanha (e em outros países de língua espanhola, como o Chile) isso não é lá a melhor ideia para quem não toma café da manhã, porque muitos restaurantes só começam a servir almoço às 13h ou às 13h30. Para piorar, alguns deles fecham a cozinha às 15h30, ou seja, tem-se 2h para comer. “Quem não come em 2h?”, alguém pergunta. A questão é: quem em férias não gosta de chegar, pedir bebidas e umas entradas, ficar de conversa com a pessoa amada, pedir mais bebidas e só depois, bem depois, pedir os pratos? Compensa-se isso com o jantar, é verdade, que vai até altas horas. Mas os mesmos restaurantes só abrem para o jantar às 20h30! Após uma tarde de muitas andanças você vira para seu companheiro e diz “eu poderia comer uma árvore agora”, então vocês olham no relógio e são 19h, significando que falta 1h30 para os restaurantes começarem a abrir, etc., etc. 


Não tenho fissura por doces, sou das pessoas que conheço que menos come açúcar, mas viajando abro um mês de exceção e acabo comendo sobremesas todos os dias porque gosto de experimentar o que cada restaurante tem a oferecer. E se tem algo impressionante em sobremesas em restaurantes europeus é como conseguem fazer tantas opções crudívoras boas. Há “cheesecakes” que é difícil crer que são veganos e crudívoros. Não, não têm o mesmo gosto daquele que leva secreção bovina, mas ainda assim são ótimos. 


Existe um livro chamado 1001 vinhos para beber antes de morrer. Nunca o li porque quando não tinha dinheiro só tomava vinho barato, e agora que posso tomar vinhos melhores já achei “meu vinho”. Uma vez que encontramos nosso vinho é preciso mesmo ficar testando outros rótulos? Se já encontramos o vinho correto, por que manter as buscas? Por que criar ansiedade sobre 1001 vinhos diferentes que precisam ser experimentados? Agradeço ao aeroporto do Chile por ter me apresentado vinhos que se tornaram ocupação na minha adega. 


Às vezes somos surpreendidos. Não sou fã de alecrim na comida – aromatizando o ambiente tudo bem –, mas um dos melhores pães de fermentação natural que comi é de uma padaria artesanal de São Paulo que tem no pão de alecrim com sal grosso um de seus carros-chefe. Desconfio de rótulos mal feitos – “confiar no conteúdo desse frasco com rótulo feito por quem não tem nenhuma noção de design e tipografia?” – e na casa cerealista que frequento sempre me ofereciam um tal “requeijão de castanha de caju” de péssimo rótulo e nome de marca, digamos, bicho-grilo. Um dia superei o preconceito e levei para casa o tal frasco (que felizmente era de vidro). Arrependi-me de não ter comprado antes, porque esse requeijão é o céu tornado creme. Não, não se parece com o estranho requeijão comum – é muito melhor. E com apenas três ingredientes: castanhas de caju, sal e lactobacilos vivos. Fico bem alegre e até besta quando as pessoas conseguem aprimorar tanto um talento que são capazes de criar alimentos fabulosos com poucos ingredientes saudáveis. 


Produção artesanal de alimentos: isso é para quem está ocioso ou realmente ama cozinhar. Geralmente, para a maioria dos mortais – muito ocupados e/ou não exatamente amantes de passar horas na cozinha – não vale a pena fazer cerveja, pão e conservas em casa. Tem quem faça e venda. É muito mais prático comprar dessas pessoas, e é bom pensar nisso antes de se encantar com uma paixão passageira. Faltam-me dedos para contar os sujeitos que começaram a fazer produtos artesanais trabalhosos e depois pararam. E aí tiveram que vender os aparatos, readaptar o espaço, etc. 


Quando me perguntam se gosto de cozinhar, não sei o que responder. Se eu disser que gosto, acharão que faço pratos elaborados e passo a tarde de sábado brincando de Dona Benta. Se disser que não gosto, acharão que cozinho com ódio no coração. Na verdade eu gosto, mas de um jeito simplíssimo: gosto de fazer o almoço, raramente faço pratos difíceis, quase nunca faço receitas com mais de sete ou oito ingredientes, se passo mais de duas horas cozinhando me pergunto abruptamente, revoltada e largando as colheres, “por que tudo isso?” – uma crise existencial numa situação inusitada. “Gostar de cozinhar” significa que cozinho tranquilamente quando é preciso. Numa vida de tempo limitado é preciso eleger prioridades, e dormir, comer bem, ler, ver filmes e passear são, sem dúvida, prioridades maiores do que cozinhar. 


São Paulo é a cidade culinária do país. Para veganos não é diferente. O problema é que é uma cidade insegura: não saio tanto quanto gostaria porque minha vontade de viver e ter integridade física é maior que minha vontade de conhecer lugares novos. Na Europa ainda é possível, nas capitais, sair todas as noites, perambular pelas madrugadas sem medo. Venero andar à noite. Alguém tem que rebater aquele pálido livro O milagre da manhã e escrever uma adoração chamada O milagre da noite: a noite é mágica, é nela que conhecemos pessoas interessantes (ou “as pessoas chatas de dia ficam menos chatas e colonas à noite quando bebem”), é à noite que vivemos experiências estranhas (e belas). Um dos filmes preferidos da minha vida se passa à noite – Depois de horas (1985, After hours, Scorsese) – e sei que parte do seu charme é justamente porque tem a noite como fundo. É à noite que as pessoas dançam (dançar, que é uma coisa linda que quase só acontece de manhã para quem está lutando para perder peso numa academia para mulheres, ou seja, zero encanto). Mas em São Paulo, ou no Rio, ou em Porto Alegre a noite não é tão amigável, pois você está rindo, feliz, e logo lembra que tem que estar atento para a moto que se aproxima, para o carro que encosta ao lado, para o cara que está atrás indo no mesmo caminho. Sempre é muito injusto quando não se pode aproveitar a vida em toda sua plenitude por causa do medo que se tem do mal que outras pessoas são passíveis de causar. A liberdade é tão preciosa e às vezes tão difícil. Temer o perigo da noite só não me atormenta em lamúrias porque ficar em casa é uma opção maravilhosa. 


Portugal me impressionou por ter café descafeinado com facilidade nos estabelecimentos. Até nos trens. No Brasil há cafeterias em que os funcionários riem da sua cara se você perguntar se eles têm café descafeinado, e depois soltam uma fala como “aqui não vendemos esse tipo de item”. Sou ansiosa, e uma pessoa ansiosa persistir em tomar muito café, Cola-Cola e comer chocolate é, vão me desculpar, uma estupidez. A menos, claro, que se prefira dar o grande salto e começar já de cara a tomar as tarjas pretas que os médicos receitam com uma facilidade de prestidigitador. Abomino remédios, pago para não tomar remédios e já passei anos sem tomar um remédio sequer (tenho uma pequena vaidade nisso, sei que está na cara) – então optei pela medida natural de eliminar boa parte desse mal chamado cafeína que funciona como uma droga dentro do meu organismo. Um espresso de tamanho médio desencadeia as seguintes etapas: 

1. Mother we just can't get enough, New Radicals – Floreio girlie. Vontade de dançar na rua com minha mochila florida e meu diário nas mãos, enquanto sorrio debilmente para estranhos. Algo bom começa a me dar uma animada diferente. Quero comprar camisa e calça amarelas, e também um chapéu de palha. 

2. Running with the devil, Van Halen – Sensação de poder. Ando pelas ruas como se fosse mais bonita e descolada que qualquer colono mediocrizado. Faço o solo de guitarra. 

3. Metal command, Exodus – A cafeína atinge seu ápice e meu recorrente charme mórbido de “vou tacar fogo na cidade” parece mais real do que nunca. Sinto que posso correr meia maratona, tocar o terror na saída de uma missa, passar um trote audaz para o Rodrigo Bocardi reclamando do jornalismo tosco modernoso que ele representa (com piadas ruins, interação com o telespectador que só opina obviedades, uso de gírias e aquele maldito “dormir até acordar” que sempre me fez perguntar “quem é que aguenta dividir a cama com esse chato?”). Quero colocar meu nome à disposição para ser síndica do condomínio e fazer a revolução, com posto de empréstimo de ferramentas e reciclagem minuciosa do lixo. 

4. Man in the box, Alice in Chains – Queda brusca. Nervosismo, tremor nas mãos, sentimento de que coisas ruins estão para acontecer. “Coisas ruins” não são um peido escapando no elevador lotado ou o sistema biométrico do meu prédio não reconhecer minhas digitais, são violência e morte. Se estou num carro, sou tomada pelo pensamento “esse motorista dirige muito mal, é um suicida, vai nos matar!”, se estou num ônibus, “esse motorista vai nos jogar no primeiro barranco ou ponte!”, se estou num avião, “e se piloto e co-piloto fizeram um pacto suicida para serem lembrados na história por um crime?”. Não há paz nessa fase e o menos pior é estar em casa encolhida dentro de uma caixa de papelão. 

5. Sense of doubt, David Bowie, música das cenas mais escuras de Eu, Christiane F... (1981) – Trevas, trevas, trevas. Alucinações e trevas. Sem nenhum exagero, já cheguei a achar que estava perdendo um braço e que invadiriam minha casa para um A sangue frio, do Capote (bom livro, bom filme). Se estiver à noite na cama tentando dormir (em vão), imagino cenas de terror. Tento racionalizar “é só aquele café que bebi”, mas os pensamentos assustadores não param de brotar. 

6. Take a ride, Club 69 – Muitas horas depois, é um alívio maravilhoso me ver livre do efeito da cafeína e fico alegre de um jeito house music

Além disso, é claro, o café comum atrapalha a coisa mais importante da minha vida: meu sono. Esse mesmo espresso que me leva do céu ao inferno – se eu tomá-lo às 9h da manhã, só conseguirei dormir às 5h da madrugada, ou seja, 20h depois. 


“E qual é a graça do café sem a cafeína?”. A graça é o sabor. Não bebo café para ter que me manter acordada ou para ter ânimo para enfrentar o dia, bebo porque aprecio o sabor e isso os bons descafeinados mantêm. Se o colega precisa de cafeína para ficar acordado ou dar conta dos afazeres, é bom consultar um especialista do sono. 


Acho estranho pessoas que gostam mais de doce do que de salgado. Acho estranho pessoas que não gostam de frutas. Acho estranho quem não come feijão. Acho estranho trocar refeições por beliscadas. Acho estranho quem gosta de beber até cair para no dia seguinte estar quase morrendo. Acho estranho quem come margarina em 2018, mesmo lendo os ingredientes estrambólicos do rótulo. Acho estranho quem acha normal uma criança comer bisnaguinha, cereal e achocolatado quase todos os dias. Acho estranho quem pratica corrida e defende o corpo como um templo, mas antes de todo exercício come coisas como bolachas recheadas. 


Quando estou viajando, o alimento de que mais sinto falta do Brasil é o feijão-preto. Por mais tipos variados de feijões que uma cultura possua, nada se compara ao feijão-preto brasileiro. Existem barreiras culturais que são difíceis de transpor. 


Fachada alimentar é aquilo de fingir para os outros um estilo de alimentação que não se tem. Muitas pessoas obesas comem pouco (às vezes pouquíssimo) em público porque temem ser julgadas pela glutonice, ou porque querem fazer parecer que sua obesidade não tem explicação. Comem três minipastéis no aniversário de um bebê e dizem “estou cheia”, fala que gera silêncio constrangedor por causar tilt nas cabeças dos outros convidados. Na outra ponta, muitas pessoas magras que fazem dieta frequente em casa e comem feito pássaros gostam de em público comer à vontade para fazer parecer que são agraciadas de comer o que querem sem engordar, querem ser invejadas (é comum, claro, entre mulheres, que ainda não são nem 10% da virtude que o feminismo alega que sejam). Antes e depois dessa cena estão praticando jejum, mas com amigos são como modelos mentirosas que dizem comer o que bem entendem, inclusive “muito chocolate”. Até existem casos assim, mas são tão raros que dificilmente se estará na frente de um. Geralmente é apenas uma fachada. 

*

Tenho fé na ciência. Fé no sentido de que ela possa resolver as dores da humanidade e da natureza se os homens deixarem. Não tenho nenhuma esperança de que as pessoas deixem de comer animais mortos por ética (animais que sofreram desnecessariamente para atender aos caprichos de quem não se vê privilegiado tendo supermercado onde comprar milhares de outras comidas variadas), mas tenho esperança que a ciência consiga criar carnes de laboratório, geradoras de nenhum sofrimento, capazes de substituir os pastos que desmatam a Amazônia, os porcos mortos a marretadas, as galinhas sufocadas sem poder ciscar e socializar, as vacas com “brincos” marcando seu número no processo. Recentemente li sobre a empresa Just Meat, que está perto de comercializar carne de frango feita em laboratório usando apenas células retiradas da pena de um galo chamado Ian. Ian não sofreu nada para que esse produto fosse feito, e talvez no futuro a mesma empresa, ou outras, possam fazer carnes de laboratório de outros animais. Se a demanda for grande e houver pressão para que essa carne substitua a “tradicional”, os preços poderão baratear e tornar padrão a carne de laboratório, reduzindo cada vez mais o espaço para produtores cruéis comercializarem cadáveres a consumidores que se importam mais com o preço do que com a proveniência dos bens. Só a ciência pode alcançar um feito desses, e eu gostaria de estar viva para ver esse tipo de mundo se tornar real. 


Aqueles que dizem “vocês veganos são muito radicais não querendo que o bicho morra, eu sou apenas contra a tortura, acho que o bicho deve receber abate humanitário” nunca, nunca, quase nunca fazem pesquisa para encontrar marcas que façam abate humanitário. Dizem ser contra tortura de animais, mas comem carnes de marcas que não estão dispostas a mudar seu sistema de confinação e abate para melhorar a vida daqueles que serão mortos e virarão comida. Ou seja, papo furado. Pior do que alguém achar que é bom sendo imoral com facilidade é alguém achar que é um pouco melhor que todos porque domina um bom papo furado. 

***

NOTAS 

1. As duas músicas do PIL que guiaram esta postagem estão no álbum Happy?, de 1987. Sempre estive atrasada com as tecnologias, principalmente por questões financeiras. Então quando todo mundo tinha discman, comprei meu primeiro walkman (deixei de comprar a apostila do colégio para usar o dinheiro nisso). Quando todo mundo tinha aparelho de mp3, comprei meu primeiro discman e assim sucessivamente. Logo que comprei meu walkman (2005?) fui ao Book Center (maior sebo de Blumenau e hoje o único) ver o que eles tinham de fita k7 barata para vender. Comprei a fita Happy?, do PIL, por acaso, porque gostei da capa, suspeitando que fosse rock. Na época não fazia ideia de que o vocalista do PIL era o John Lydon, que eu adorava dos Sex Pistols. Descobri somente anos depois que os Sex Pistols acabaram e ele montou o PIL (em 2005 eu ainda não tinha computador em casa para fazer essas pesquisas). No mesmo dia no sebo comprei também, no escuro, a fita Divinyls (1990), do Divinyls. A única música que reconheci foi “I touch myself”, muito tocada em rádios, mas dancei muito com “Bless my soul (it's rock n' roll)”. Cada fita me custou um real, e não duvido que dois reais era tudo que eu tinha, mesmo, para gastar comprando fitas naquele dia.

2. Os atentos poderão perceber o conflito de acordar tarde e saber quem é Rodrigo Bocardi, que apresenta o jornal das 6h em São Paulo. Havia um tempo em que almoçávamos vendo esse jornal horas depois no aplicativo da Globo na TV. Como somente 15min se aproveitavam dele – o restante era sobre trânsito, previsão do tempo, piadas dos apresentadores, leitura demorada de tweets de telespectadores comentando sempre as mesmas coisas banais –, paramos de vê-lo. 

3. Club 69 é um dos apelidos do DJ austríaco Peter Rauhofer cuja melhor música é, na minha opinião, “Take a ride”. Morreu jovem, aos 48 anos, por causa de um tumor no cérebro. Era apaixonado por música eletrônica e trabalhou com vários artistas, sendo considerado por fãs um dos melhores DJs do mundo (talvez um exagero). Enquanto alguns animados que têm o azar de ter esse tipo de problema morrem, outras pessoas que parecem ter desprezo pela vida vão se arrastando até longa idade reclamando do corpo, de envelhecer, da falta do que fazer em feriados. Eu até queria que existisse um Deus para resolver essas injustiças de matar quem ama viver, colocar em cadeira de rodas quem pratica esportes e manter a saúde de quem meramente sobrevive vendo TV e lendo as redes sociais dos outros, mas esse é um lamento sem sentido, porque o único Deus que existe é o que foi criado pela literatura da humanidade para servir de amuleto e suavizar o medo de morrer. 

4. Antes que perguntem, já respondo: eu comeria a carne limpa, zero tortura, zero mortes da Just Meat.

5. Tenho que usar óculos para estar no computador, e venho sentindo cada vez mais os efeitos de ter sido alguém que passou muitos anos lendo em quartos apertados em vez de estar exercitando os músculos da visão em lugares abertos (sim, era das últimas a serem escolhidas nos grupos de educação física, e defendo as cortadas do vôlei colocando meus braços para proteger minha cabeça em vez de preparar uma poderosa manchete), então melhorei a fonte dos textos do blog (agora, Cambria) e aumentei o tamanho de 14 para 16 pontos. Espero que tenha melhorado para vocês como melhorou para mim.

6. De tempos em tempos mudo a imagem de entrada do blog. A que estava até hoje era da Cordilheira dos Andes no trecho do Chile. Uma vez deixei uma imagem de Estocolmo por três dias, mas tirei porque era vertiginosamente linda e poderia desviar a atenção dos textos. Agora está aí a tragédia da morte de Albert Camus, ocorrida em 4 de janeiro de 1960 e noticiada no Combat. O jornal recebeu muitas contribuições de Camus (editor chefe de 1943 a 1947), depois foi deixado por ele e em 1974 deixou de existir. 

segunda-feira, 27 de agosto de 2018

As aberrações dos zoológicos e dos cães de raça

O filme Freud: além da alma (1962), com roteiro baseado num texto de Sartre, começa dizendo que três foram os grandes que minaram a vaidade humana: Copérnico, ao tirar a Terra do centro do Universo, Darwin, ao tirar o homem do centro da natureza para onde todo o resto convergiria – e destronar a absurda ideia de que esse mesmo homem é o ponto mais elevado da evolução, como se ela tivesse batalhado para alcançá-lo –, e Freud, ao arrancar do homem o falso livre arbítrio, a escolha consciente de ações e palavras. Já citei esse início de filme em outra postagem porque gosto muito dele. E como na outra postagem vou ligá-lo à questão animal. 

A preocupação com o sofrimento animal, que tem seu ponto alto no veganismo, não é um indivíduo de renome, mas é um juízo ético que também surgiu para quebrar as pernas desse ser humano tão habitual que se crê a medida de todas as coisas e o rei ao qual todas as coisas devem servir. Eu poderia falar sobre carne hoje – ensinar aos argumentadores de internet os reais motivos para não comê-la, que desculpas não usar em sua defesa rasa (“os leões”, “a natureza”, “sempre foi assim”, “o gosto é bom”) –, mas não vou. Quero falar brevemente sobre a insensibilidade do monarca bípede que vê animais como bizarrices enjauláveis ou decoração de apartamento. Quero falar sobre as aberrações dos zoológicos e dos cachorros de raça. 

O padrão do zoológico funciona da seguinte forma básica: animais escolhidos por sua variedade, “graça” e diferença são retirados de seu meio natural e colocados em um meio artificial montado por interessados (muitas vezes com incentivo do Governo) em saciar a curiosidade de pessoas geralmente prestes a falecer num mar de tédio ou aflitas por proporcionar “afazeres a céu aberto” para crianças. Não satisfeitas em assistir a alguns ótimos programas sobre animais da BBC apresentados pelo simpático David Attenborough, essas pessoas saem de suas casas para ver um pinguim descontextualizado em plena São Paulo – e achar isso muito bonito, fofo, “educativo para a consciência ecológica dos pequenos”. Quase parece agradável em cena (quase, pois em cena já há indícios óbvios de crueldade), mas os bastidores – é ali que os fatos estão, é ali que devemos olhar – são sujos. Primeiro, o exercício Atticus Finch de colocar os sapatos do próximo para sentir o que ele sente – nesse caso, imaginar-se nas patas do outro. Se animais são capazes de sofrer como você e eu – suas pupilas crescem diante do medo, porcos gritam e se desesperam ao verem outro porco com a garganta cortada, galinhas cometem canibalismo sob estresse –, não há por que, nesse ponto, não nos colocarmos em seu lugar. Assim, duvido muito que você se sentiria bem se o tirassem de um ambiente ao qual você está adaptado para colocá-lo numa simulação a fim de entreter bobos alegres. 

Os instrutores de zoológicos – algumas vezes biólogos – defenderão que o animal está seguro, está bem tratado, tem uma chance de paz e sobrevivência muito maior do que se estivesse na selva ou no Pantanal. Mas essa preocupação não é sincera – vejam todos os outros animais da mesma espécie que ficaram na selva e no Pantanal seguindo a severa lei da natureza enquanto um rinoceronte pontual e uma onça pontual foram escolhidos para o catálogo vivo do zoológico da cidade. Ademais, os animais pontuais não foram tirados de seu habitat com fins de “salvá-los”, mas meramente para proporcionar deleite rápido em quem não pondera nada sobre a indústria do entretenimento. 

Os instrutores também dirão – como vi pessoalmente uma dizer quando há muitos anos fui ao zoológico de Pomerode com as crianças da creche onde trabalhei (época em que zoológicos para mim eram uma mistura de beleza com mal-estar, mas eu ainda não estava disposta a teorizar algo a respeito) – que muitos dos animais dos zoológicos “foram resgatados porque não tinham condições de se manter na natureza”. Isso, da parte da administração do local, ajuda a explicar aos mais perguntadores a razão de os animais terem sido arrancados de seus ambientes de origem. 

Animais desse tipo deveriam ser enviados para “santuários”, e não para servir numa vitrine. Mas olhemos melhor para a matemática e a simbologia na escolha dos zoológicos, já que tantos “resgatam animais coitados”. O zoológico funciona como o guia de moda da mulher prática para a montagem do guarda-roupa perfeito: algumas camisetas/blusas, poucas calças, um vestido de verão, um vestido preto, um par de sapatos, um par de tênis, roupa de ginástica, etc. Assim como nesse modelo você não verá dez vestidos pretos num guarda-roupa ou nenhum vestido preto em outro, os zoológicos não mantêm dez leões resgatados ou nenhum – porque “zoológico que se preze” tem pelo menos um leão, um rinoceronte, uma girafa, um grupo de macacos, um grupo de pinguins, vários pássaros, um urso e por aí vai, sem ausência ou excesso de animal representativo do fantástico. O zoológico que não tem um leão é raríssimo: e se de fato não tiver, esse é um problema momentâneo que a administração está tentando resolver às pressas. Nesse cálculo, quem acredita que a natureza está numa sintonia tão magnífica com os zoológicos que consegue prover, em número ótimo, a quantidade necessária de “animais para resgate em más condições que não conseguiriam sobreviver sozinhos em seus habitats”? Com boa intenção ou não – às vezes é se pensando como bem-intencionado que alguém dá um trabalho insalubre num porão a um boliviano desesperado –, zoológicos são aberrações. Visitá-los é incentivar a crueldade e a barbárie. Gosta de animais? Veja-os na TV. Mas queria ver ao vivo? Visite um santuário, e leve dinheiro para ajudar os cuidadores do lugar a dar o que os animais resgatados precisam. 

A Dinamarca é um dos países “danem-se o que pensam, somos assim e não vamos mudar porque esse é o jeito dinamarquês de fazer as coisas” que matam animais de zoológicos quando eles estão em número maior do que o esperado para atender ao estúpido e fútil propósito de entreter pessoas. “Não precisamos mais dessa girafa, vamos matá-la e oferecer sua carne aos outros animais carnívoros daqui” (ver caso Marius). É o mesmo país que acha requintado ter mantas de pele de animais em casa. Ou seja: aquele hábito que muitos de nós temos de nos horrorizar com a medievalidade de algumas nações pobres para tratar certas questões é em grande parte um julgamento rápido esnobe e discriminatório sem avaliar bem a realidade. No meu bairro pobre em Blumenau é muito comum que desdentados, maconheiros e pançudos passeiem nos finais de semana com seus pássaros engaiolados (apanhados no mato com alçapão), visão medonha que me dá vontade de ter uma bomba, um flit paralisante qualquer. Aí vou a Paris, uma das principais capitais do mundo, reino da afetação elegante, e vejo o quê? A banalização da tortura nauseante revertida num montinho de foie gras em cada vitrine de loja culinária. É abominável, e cada classe tem seu meio de explorar animais para atender a extravagâncias humanas. 


Cães de raça são muito bonitos. Em matéria de design canino – traços e características de personalidade –, acho que meu cão de raça preferido é o Dachshund, conhecido como “cachorro salsicha”. Mas esse gostar é um capricho, e o que é certo muitas vezes vai na direção oposta aos nossos caprichos. Assim, defendo que o salsichinha deixe de existir, bem como todos os outros cachorros de raça pura. 

A classe média que desfila seus cães de raça pelas ruas como uma extensão do bom gosto – “uso Adidas, sou atlético, empresário e aqui está meu Labrador”, “sou enigmática, séria, altíssima, magríssima, dedicada ao trabalho e aqui estou, impenetrável com meu Dobermann” – fecha os olhos para o que ocorre com os animais, permitindo que os “shoppings de filhotes” possam existir fingindo fofura. Abrir os olhos, nesse caso, pode atrapalhar a adequada harmonização do cachorro com o sofá, do cachorro com a risada histérica da perua estabanada, do cachorro com o estilo de vida e de casa que a família resolveu adotar para posar bem numa fotografia estilo “interior da Suíça”. Sou muito mais contida do que todos supõem. Meu outro eu, franco até a medula e um tipo psiquiátrico, está sempre ali, sussurrando grosso por detrás da porta onde foi trancado: “estrague o jantar desses frívolos, mostre o vídeo real de um porco sendo espancado até a morte e depois diga calmamente, entre aqueles olhos arregalados e aquelas bochechas de constrangimento, que você sempre poderá jantar vendo os bastidores da produção daquilo que está comendo”, “pare essa alienada com seus três Yorkshire para mostrar a fábrica de cachorrinhos onde a mãe deles possivelmente está confinada parindo um cifrão atrás do outro”. Evito barbarizar, mas bem que vocês mereciam. Porque aqui não estão fantasias, estão realidades que não serão mudadas com ignorância autoimposta. O problema não deixa de existir só porque vocês fingem que não existe. Se algumas pessoas ainda insistem ingenuamente na compra de animais de raça porque desconhecem a origem desses miseráveis, há outras que sabem vagamente da história, mas preferem não saber demais porque o conhecimento cria responsabilidades e as responsabilidades com o sofrimento animal podem estorvar os fins decorativos e acessórios dos galantes cães de raça. 

Os cães vêm dos lobos; podemos chamá-los rapidamente de lobos domesticados pelo homem. Isso, por si, já é lamentável, porque a domesticação transformou animais independentes selvagens em caseiros carentes. Há cãezinhos que deixados no mato morrerão sem saber como proceder com caça e abrigo em poucos dias – graças à domesticação e ao “racismo”, que os tornaram tão subordinados ao homem. Vejo cães que abanam o rabo para donos horríveis e penso que a domesticação de animais é um dos grandes erros da humanidade. Se tenho cães e gatos hoje é apenas porque mantê-los sob cuidado é um tipo de mal necessário. Na minha imagem de mundo ideal não existiriam animais domesticados, e cães e gatos selvagens saberiam muito bem como cuidar de suas necessidades sem depender do homem. Ocorre que já não basta termos uma superpopulação de cães e gatos nas ruas, favelas e gaiolas agropecuárias – há quem pague para manter funcionando uma fábrica que coloca ainda mais animais domesticados na conta do puppy boom. Isso gera dor para todos. Cães de raça não nascem após gentil intercurso sexual entre dois cães puros adultos que toparam um com o outro em uma festa de solteiros cheios de bossa. Esses animais são muitas vezes forçados a acasalar de maneira nada natural. Mas isso não é o pior. Para manter as características que dão valor à raça pura, cães acasalam com parentes próximos, mães acasalam com filhos e assim por diante. Se ainda não basta para assustar quem acabou de ver o Poodle no sofá ocupando o lugar de uma almofada (que finesse!), há cadelas “matrizes” parideiras que passam a curta vida em cativeiro apenas com a finalidade de trazer o maior lucro possível ao dono da fábrica de filhotes – até que a cadela, esgotada e prestes a morrer muito antes do tempo de vida médio de sua raça, não sirva mais e seja descartada. Era hora de um “meu corpo, minhas regras” chegar a esses locais que escravizam cadelas (exceção de arbítrio para o ato da castração, que é outro mal necessário). Voltemos ao exercício de empatia. Imagine você, colega, ser forçada a parir um bebê atrás do outro porque existe gente que deseja comprar bebês lindos em vez de adotar os bebês não tão padronizados que sobejam nos orfanatos. Você não é mais uma pessoa, você é uma máquina que atende a interesses fúteis, e como máquina não há importância com o seu bem-estar desde que possa ter o mínimo de saúde para continuar parindo bebês. 

Se tudo isso já está errado, não é preciso ir longe na internet ou no contato com atuantes no resgate de animais que sofrem maus tratos para saber de casos de fábricas de filhotes que estão batalhando pela medalha de ouro da crueldade: não só dominam e escravizam os animais, mas permitem que as cadelas parideiras fiquem doentes, desnutridas, com os pelos de todo o corpo embaraçados pelas próprias fezes, temerosas de qualquer humano que se aproxime. Os filhotinhos delas? Vão bem peludinhos, fofinhos, engraçadinhos e desajeitadinhos para as gaiolas de vidro das lojas para encantar otários, decoradores e tapados. 

A etapa final dessa bola de neve de problemas, que não deveria harmonizar com a existência de ninguém, é que animais de raça são muito mais propensos a doenças. As cruzas querem respeitar características dos animais que são consideradas bonitas aos olhos, não à saúde e ao sucesso físico. Para que essas características sejam acentuadas, a cruza entre parentes próximos é o caminho mais rápido para a seleção artificial eficaz, e também para problemas genéticos que todos sabem que costumam aparecer quando parentes acasalam. É por isso que o Pastor Alemão tem problemas de coluna e nas patas traseiras (não me lembro de conhecer nenhum cão dessa raça que chegou à velhice sem esse tipo de moléstia, e alguns passam a arrastar a bacia no chão), o Chihuahua é forte candidato a problemas na cabeça devido à hidrocefalia, o Lulu da Pomerânia é predisposto ao deslocamento da patela e à cegueira, o focinho demasiadamente curto do Pug causa problemas respiratórios... e aqui vai um mórbido “etc”, pois a lista é longa. Os problemas específicos de todas as raças por cruzamento forçado estão em fartura na internet, problemas que apareceram por causa do egoísmo humano e da vontade de criação bizarra. A seleção natural não permitiria que muitos desses cachorros se perpetuassem com tantos defeitos, mas justamente vários de seus defeitos é que são estimulados nas fábricas de cachorros puros. 

Não há nada de belo na manutenção dos zoológicos e na origem dos cães de raça. Apoiar essas práticas cruéis é como manchar uma trajetória de vida com apologia do horror. Não foi à toa ou só para chocar que o escritor judeu Isaac Bashevis Singer disse há décadas uma sentença que não está nada perto de perder o sentido numa sociedade que trata animais como coisas inferiores que merecem ser subjugadas: “Para os animais, todos os seres humanos são nazistas”. É cômodo julgar outras pessoas, no passado, que estavam cometendo erros absurdos. Mas quem são os nazistas de hoje? 

*** 

NOTAS 

1. Os cães de raça não têm culpa dos donos que têm. Quem adquire um cão de raça porque ignora sua origem deve ser orientado para que não cometa novamente a falta de comprar um animal proveniente de uma indústria cruel e mercenária. Quem sabe a procedência cruel dos animais que compra e opta por continuar comprando “porque os vira-latas não são tão bonitos, não caem tão bem com a minha casa e o meu estilo” – esse sujeito merece ser execrado. 

2. É claro que se você já tem um cão de raça não deve se desfazer dele. Tristemente há quem se desfaça dos animais de raça quando eles ficam velhos ou doentes, pois aí perdem sua função de decorar o lar e entreter as crianças. 

domingo, 29 de abril de 2018

Lula, pai de aluguel de uma esquerda desesperada

Em 1989 eu teria votado em Lula. Quem viu os debates entre Collor e Lula no segundo turno (no primeiro turno, todas as revistas de humor bem registraram que Collor não comparecera aos debates) só podia votar em Collor se não simpatizasse pessoalmente com Lula – má ideia, para a vida séria, colocar questões pessoais na frente de questões coletivas – ou se estivesse encantado com a oratória vilã de Collor. Parece-me quase obrigatório que entre um e outro qualquer pessoa de caráter optasse por Lula, pelo menos por um motivo que é razoável na mão de quem não debanda para a anarquia do voto nulo: escolher o menos pior. Em 1989 Lula é que fazia sentido, gostasse Cláudia Raia ou não – já que votou em Collor. Na mesma época a atriz também se apaixonou por Alexandre Frota e defendeu em artigo à VEJA seu direito de fumar em paz (e de votar em Collor em paz), informação que ajuda a explicar uma má fase, pela qual todos passamos em alguns momentos – portanto, não julguemos. 

Após o Mensalão, do qual Lula saiu acobertado e impune, não havia mais como rasgar a garganta para cantar com emoção pelas ruas “brilha uma estrela!...”. Quem ficou com Lula não era capaz de autocrítica e usava a lógica do taxista: ou é isso ou é aquilo. Assim, entre adotar na prática um partido que diferia dos outros só em teoria ou buscar uma necessária reciclagem, figuras como Chico Buarque e Tássia Camargo preferiram manter o discurso e o apoio, para vergonha de qualquer cidadão um bocadinho justo. Diz-se, nas centrais reducionistas conspiratórias e delirantes da esquerda (é chato repetir isso toda vez, mas a direita também tem as suas), que quem abomina Lula nestes tempos “não gostou de ver o pobre andando de avião”, simplismo que sai das centrais e se espalha. Criam esse espantalho tosco e fingem que não sabem: muitos dos que hoje repudiam Lula são aqueles que votaram nele em todos os pleitos até 2002. Ora, se sentissem ojeriza pela ascensão dos pobres não teriam, em período tão considerável, votado justamente em quem tinha como bandeira principal a ascensão dos pobres. Não faz sentido, mas quem tem ideologia cega e partidarismo não precisa de sentido, apenas de fé. Política partidária, homeopatia e religião dependem de crença, não de fatos. 

Tirando guerras, terrorismo, violência e doenças, hoje há poucas coisas que são piores do que tentar conversar sobre política com um lulista. Talvez: 

a) Entrar numa loja na qual se pretende passar um tempo e perceber que tocam Coldplay (tanto faz se as deprê-semialegres ou as deprê-suicídio-no-rio-à-tardinha); 

b) Ler clichês em comentários de vídeos humorísticos no YouTube, como “puta crítica social” e “humor ácido”; 

c) Sentar num bar no qual se pretende beber por um tempo e perceber que começam a montar um sarau para daqui a pouco; 

d) Participar do espaço público com quem não compreende o espaço público: chupam os dentes, gritam palavrões, não usam fones, fedem sem uma boa explicação; 

e) Estar na fila do pão quando a feminista à sua frente começa a lecionar sobre patriarcado para a atendente, que é tão mais educada que só pensa (e não fala) “preciso trabalhar, querida”; 

f) Aguentar o monólogo daquele que nunca vai ao teatro, mas um dia foi e acha que já pode dizer “as pessoas não vão ao teatro nesse país”; 

g) Aguentar o monólogo daquele que nunca lê um livro, mas um dia leu e acha que já pode dizer “o problema do Brasil é que o povo não lê”; 

h) Aguentar o monólogo daquele que nunca ouve música clássica, mas um dia ouviu e acha que já pode dizer “meu favorito é Brahms” (apenas porque sabe que As quatro estações de Vivaldi é coisa de quem lê autoajuda, elege Monet como um dos maiores pintores e compra bolas decorativas da China na Camicado); 

i) Pessoas que compram o CD “Beatles para bebês”; 

j) Pessoas que aplaudem com força exibida um índio tocando flauta na rua; 

k) Pessoas que usam com regularidade os termos “vagabundo” e “vagabunda”; 

l) Pessoas. 

O lulista das classes média e alta, aliás, era para ser uma figura em extinção. Quase começava a ser antes de Lula ser investigado por utilizar a coisa pública para interesses privados, mas reapareceu como marca do desespero de uma esquerda que não tinha quem colocar no lugar para mover o voto das massas. 

Enquanto Chico Buarque e Tássia Camargo ficaram com Lula, muitos nomes migraram para partidos menores porque não queriam participar do programa prostituído do PT e sabiam que aquela corrupção toda (na qual, na época, acreditavam) poderia manchá-los por associação “diga-me em que partido andas e te direi quem és”. Lula fora um bom líder para trazer o Brasil à esquerda, mas precisava ser superado – migrar do PT para outros partidos era manifestar uma diferença. Sua premente condenação mudou essa forma de pensar (não vá longe: as linhas do tempo de Facebook, Twitter, etc. de seus colegas ditos à esquerda estão lá como uma praça de provas do discurso que se modela e degringola) não porque PSOL (declaro aqui que já votei no Plínio de Arruda Sampaio e não me arrependo, pois era o que havia) e outros partidinhos tenham, em seus corações, mudado de opinião sobre Lula, mas porque sem Lula a esquerda não tem candidato que receba mais do que sofridos 3% de intenções de voto. A esquerda que no passado recente saiu do entorno de Lula porque não queria se associar a quem sabia ter se corrompido (e se corrompido demais) voltou como o filho pródigo para receber o banquete do pai: viu que sem o pai não é grande coisa nos números. 

Isso explica por que Manuela d'Ávila e o piromaníaco Guilherme Boulos resolveram ser a sombra de Lula: aquele corpinho cansado é o parente prestes a falecer que tem uma herança a deixar – neste caso, votos. Associando-se ao Lula que ainda lidera pesquisas na quentura do populacho, Manuela e Boulos tentam uma transferência direta de eleitores. Para não destruir reputações que cresceram querendo se individualizar perante o PT, os dois aceitam criar um mito injustiçado. Não se pode apoiar Lula dizendo que ele é mesmo culpado e que já era hora de pagar por ao menos uma das suas “contravenções” no mundo político, portanto o certo é primeiro dizer que Lula é inocente (vítima das arbitrariedades de três instâncias, preso por suas ideias, o Mandela brasileiro, etc.) para depois apoiá-lo sem dever justificativas à ética. A esquerda é ruim com Lula, mas sem ele se vê pior. Seu desespero só deve gerar pena. 

***

NOTAS 

1. Sempre que passo roupas em casa coloco vídeos compridos no YouTube para ver na TV, geralmente entrevistas no Roda Viva. E me encantei quando vi a primeira entrevista de Paulo Maluf, de 1995. Não só porque Maluf é uma das três pessoas do globo que ficam bem com gel no cabelo, mas porque aquele senhor, prefeito de São Paulo à época, defendia pautas inovadoras como proibição de fumo nos restaurantes (foi chamado de “radical” e sugerido como “ocupado com trivialidades” pelos jornalistas da bancada) – mesmo tendo em casa uma esposa-chaminé –, uso obrigatório do cinto de segurança (novamente criticado pelos jornalistas convidados por esse “exagero paternalista”) e política de controle de natalidade, que é uma das questões que considero mais urgentes para diminuir a pobreza. Pensei, entre a passada de uma manga de camisa e a borrifada cheirosa na perna de uma calça, “possivelmente eu teria votado nesse homem”. Política é isso: um momento. Assim como não havia opção sensata que não fosse Lula no segundo turno de 1989, não há opinião sensata que hoje defenda Lula. Ou Maluf. 

2. Houve um momento em que sair do PT era um quase dever de decência. Não foi nesse momento que Marta Suplicy saiu do PT. E, quando saiu, não foi com decência. 

3. Ausentei-me por longo tempo porque viajava nas férias. Já voltei. Um abraço aos que leem com boas intenções.

terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Teste: você tem princípios ou apenas partido? Versão para os autodenominados esquerdistas, simpatizantes e contemporizadores de modo geral


Esse é um teste simples que envolve questões complexas. Por isso não espero que quem tenha a bondade de respondê-lo – prioritariamente esquerdistas, simpatizantes e contemporizadores de modo geral, caso se dispam do arzinho petulante que fizeram só de ler o título desta postagem – consiga se identificar plenamente com alguma das alternativas. Mas se não for responder só porque a alternativa não atende plenamente sua opinião, onde estará a graça de fazer o teste? Portanto, assinale a alternativa que corresponde a pelo menos 80% do seu pensamento. Recomendo, por ética, que não se leia a questão seguinte antes de responder a atual. São 15 blocos, com 2 questões em cada bloco. No final, haverá uma explicação sobre a contagem dos pontos e os resultados. Escreva no papel os números de 1 a 15 e depois coloque as alternativas ao lado de cada número. Por exemplo: 1 – AB, 2 – AA, 3 – BB, 4 – BA, etc. 

Vamos começar? Avante, camaradas!



1. Em 2017, o presidente Michel Temer sancionou a reforma do ensino médio. Dentre as mudanças estava a redução do número de disciplinas e a adequação do currículo à realidade do mundo atual. Essa medida foi: 

a) Uma decisão dura, mas necessária para que a educação brasileira possa evoluir e tentar se aproximar do modelo educacional praticado em países desenvolvidos. 

b) Uma proposta fascista. Não houve diálogo severo com a população e é mais do que justo que estudantes decidam em assembleias o fechamento de escolas como forma de protesto. 

Em 2014, a então presidente Dilma Rousseff defendeu a urgência da reforma do ensino médio. Dentre as mudanças estava a redução do número de disciplinas e a adequação do currículo à realidade do mundo atual. Essa medida foi: 

a) Uma decisão dura, mas necessária para que a educação brasileira possa evoluir e tentar se aproximar do modelo educacional praticado em países desenvolvidos. 

b) Uma proposta fascista. Não houve diálogo severo com a população e seria mais do que justo se estudantes decidissem em assembleias o fechamento de escolas como forma de protesto. 

*

2. Quando a então presidente Dilma Rousseff apresentou, em 2015, que o país estava no vermelho e por isso seria necessário realizar um austero ajuste fiscal para equilibrar as contas públicas, pensei: 

a) Essa pilantra quer aniquilar os trabalhadores, as mulheres, os negros, os pobres, o povo! Em campanha sequer se mencionava que o país estava no vermelho! Fora, Dilma! 

b) A presidente está se deixando levar pelos interesses do empresariado, representado pelo mal escolhido Ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Fora, Levy e seu ajuste fiscal! 

Quando o presidente Michel Temer apresentou, em 2017, que o país estava no vermelho e por isso seria necessário realizar austero ajuste fiscal para equilibrar as contas públicas, pensei: 

a) Esse pilantra quer aniquilar os trabalhadores, as mulheres, os negros, os pobres, o povo! Quando prestes a dar o golpe e precisava do apoio da população ele não falava sobre ajustes! Fora, Temer! 

b) O presidente está se deixando levar pelos interesses do empresariado, representado pelo mal escolhido Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Fora, Meirelles e seu ajuste fiscal! 

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3. Em 2017, uma das medidas que Temer queria fazer avançar era a reforma da Previdência. Ele destacou, dentre outras coisas, que se a reforma não for feita hoje, no futuro não será possível para o governo sustentar a inchada máquina da previdência, pois a desproporção entre aposentados e trabalhadores será alta. Sobre isso: 

a) É absurdo que um trabalhador não possa se aposentar aos 55 anos. Em vez de massacrar o povo com uma reforma injusta e fascista, por que esse Sr. Golpista não cobra mais tributos da elite? É preciso que rumemos para as ruas e protestemos com todas as nossas energias ante esse retrocesso. Intransigência com quem é intransigente! 

b) Vamos manifestar nossa insatisfação dialogando com lideranças e partidos. 

Em 2016, uma das medidas que Dilma queria fazer avançar era a reforma da Previdência. Ela destacou, dentre outras coisas, que precisamos estar sintonizados com outros países desenvolvidos que já são mais rígidos com a idade de corte para recebimento da aposentadoria e que não é possível que a idade média de aposentadoria no Brasil seja de 55 anos. Sobre isso: 

a) É absurdo que um trabalhador não possa se aposentar aos 55 anos. Em vez de massacrar o povo com uma reforma injusta e fascista, por que essa Sra. Não-faço-jus-aos-princípios-do-meu-partido não cobra mais tributos da elite? É preciso que rumemos para as ruas e protestemos com todas as nossas energias ante esse retrocesso. Intransigência com quem é intransigente! 

b) Vamos manifestar nossa insatisfação dialogando com lideranças e partidos. 

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4. Alguns dos empregados que atendiam a então presidente Dilma Rousseff no Palácio do Planalto e em eventos eram negros, como o garçom José da Silva Catalão (depois despedido por Temer). Isso prova: 

a) Uma marca gritante sobre como a sociedade vê os negros, sempre servindo. A foto de Dilma sendo atendida por José Catalão tem que virar meme sobre a hipocrisia da esquerda que mantém negros em cargos subalternos. 

b) Não prova muita coisa. José Catalão é pago para trabalhar, o governo paga para que trabalhe. Há uma troca de salário por serviços. Existe racismo no Brasil, mas tomar um fato isolado como esse e politizá-lo por conveniência seria má-fé e personalização errada de um problema social que não é culpa nem de Dilma, nem de José Catalão. 

Numa manifestação pelo pedido de impeachment da então presidente Dilma Rousseff, um casal branco foi visto vestido de verde-amarelo, em passeata, enquanto uma babá negra tomava conta de seus filhos. Isso prova: 

a) Uma marca gritante sobre como a sociedade vê os negros, sempre servindo. A foto desse casal branco sendo atendido pela babá negra mereceu virar meme sobre a hipocrisia dos manifestantes golpistas, que pedem um país mais justo mas mantêm negros em cargos subalternos. 

b) Não prova muita coisa. A babá é paga para trabalhar, o casal paga para que trabalhe. Há uma troca de salário por serviços. Existe racismo no Brasil, mas tomar um fato isolado como esse e politizá-lo por conveniência seria má-fé e personalização errada de um problema social que não é culpa nem do casal branco, nem da babá negra. 

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5. Aécio Neves festejou o carnaval num camarote VIP. Reajo: 

a) Playboy que cospe na cara do povo pobre com seu estilo de vida fino! 

b) Se ele tem dinheiro para pagar e o dinheiro não for de desvios públicos ou propina, o problema é dele. Ele não precisa se tornar um mendigo só porque diz se importar com os pobres. 

Marcelo Freixo festejou o carnaval num camarote VIP. Reajo: 

a) Playboy que cospe na cara do povo pobre com seu estilo de vida fino! 

b) Se ele tem dinheiro para pagar e o dinheiro não for de desvios públicos ou propina, o problema é dele. Ele não precisa se tornar um mendigo só porque diz se importar com os pobres. 

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6. Em 2012, o então senador Demóstenes Torres foi grampeado em conversas telefônicas com o bicheiro Carlinhos Cachoeira, situação que lhe custou a cadeira no Senado. O STF considerou que as provas eram ilícitas e não poderiam ser utilizadas no processo contra o ex-senador, pois seu cargo no Senado lhe dava prerrogativa de foro: portanto, não cabia a um juiz de primeiro grau liberar intercepções telefônicas contra Demóstenes. Nesse caso: 

a) Vamos respeitar as leis. Prova ilícita não pode ser utilizada em processo. 

b) Tem caroço nesse angu. Desde quando o procedimento para feitura de uma coisa se torna mais importante que o conteúdo dessa coisa? Todas as provas importam quando estamos falando de um bandido político. 

Em 2016, o juiz de primeira instância Sérgio Moro divulgou grampos entre Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula, grampos que poderiam incriminá-los sob a acusação de obstrução à justiça. Dilma, então presidente, tinha prerrogativa de foro e tudo que lhe dissesse respeito deveria ser encaminhado para o STF. Diante da situação, o STF declarou os grampos ilegais e afirmou que Moro violou a competência do Supremo para o ocorrido. Nesse caso: 

a) Vamos respeitar as leis. Prova ilícita não pode ser utilizada em processo. 

b) Tem caroço nesse angu. Desde quando o procedimento para feitura de uma coisa se torna mais importante que o conteúdo dessa coisa? Todas as provas importam quando estamos falando de um bandido político. 

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7. Uma prova obtida por meio ilícito demonstra que certo homem, Sr. X, era abusador de crianças. A prova não pôde ser utilizada processualmente, mas agora todos sabem que o Sr. X abusava de crianças. Penso que: 

a) Não há que se falar em qualquer tipo de condenação, pública ou jurídica. Quem somos nós para julgar alguém tomando como base uma prova ilícita? O foco aqui deve ser quem obteve essa prova de maneira ilegal. 

b) Mesmo que o Sr. X não seja condenado pela Justiça, é claro que todos nós temos o direito de rechaçá-lo, e seria mau caratismo esquecer o que ele fez só porque a prova é ilegal. Não vamos confundir moralidade com legalidade. 

Quiseram – juristas e parte da população – incriminar Lula e Dilma utilizando como base uma prova considerada ilícita. A ex-presidente nomearia, às pressas, Lula como Ministro da Casa Civil com vistas a fazer seu processo correr no STF, lerdo, e não na primeira instância, um tanto mais célere. Isso foi percebido num grampo ilegal. Penso que: 

a) Não há que se falar em qualquer tipo de condenação, pública ou jurídica. Quem somos nós para julgar alguém tomando como base uma prova ilícita? O foco aqui deve ser quem obteve essa prova de maneira ilegal. 

b) Mesmo que Dilma e Lula não sejam condenados pela Justiça, é claro que todos nós temos o direito de rechaçá-los, e seria mau caratismo esquecer o que pretendiam fazer só porque a prova é ilegal. Não vamos confundir moralidade com legalidade. 

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8. Alexandre de Moraes, doutrinador jurídico, foi nomeado por Temer para assumir o cargo vago de ministro do STF. Alexandre era muito próximo do círculo do PSDB e por isso sua indicação foi vista como um ato político-partidário. Sobre isso: 

a) A decisão foi tomada dentro da legalidade. Se há alguém para criticar aqui, não são Temer ou Alexandre de Moraes, mas o sistema que permite essa livre indicação dos ministros do STF por parte dos Presidentes da República. 

b) Que patuscada! É claro que foi indicado porque ficará com o rabo preso com Temer e as moscas que o circulam. 

Dias Toffoli, jurista, foi nomeado por Lula para assumir o cargo vago de ministro do STF. Toffoli foi consultor jurídico da CUT, assessor jurídico do PT na Câmara dos Deputados e advogado de três campanhas presidenciais de Lula. Prestou duas vezes concurso para juiz substituto – e foi reprovado. Por causa desse histórico, sua indicação para ministro do STF foi vista como um ato político-partidário. Sobre isso: 

a) A decisão foi tomada dentro da legalidade. Se há alguém para criticar aqui, não são Lula ou Dias Toffoli, mas o sistema que permite essa livre indicação dos ministros do STF por parte dos Presidentes da República. 

b) Que patuscada! É claro que foi indicado porque ficaria com o rabo preso com Lula e as moscas que o circulavam. 

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9. Temer tem amigos políticos, empresários, ministros. Todos esses amigos começam a cair por corrupção. Temer, impávido, não cai. O que pensar de Temer se não há provas cabais contra ele, nem processo contra ele tramitando? 

a) Seus amigos corruptos não querem dizer nada. Temer pode ser um pombo entre os gatos. 

b) É no mínimo estranho que alguém com um entorno tão podre possa ser como Jesus imaculado entre pecadores enlameados. Certamente Temer é corrupto também, só não foi possível provar isso ainda. 

Lula tem amigos políticos, empresários, ministros. Todos esses amigos começam a cair por corrupção. Lula, impávido, não cai. O que pensar de Lula se seu processo ainda não transitou em julgado? 

a) Seus amigos corruptos não querem dizer nada. Lula pode ser um pombo entre os gatos. 

b) É no mínimo estranho que alguém com um entorno tão podre possa ser como Jesus imaculado entre pecadores enlameados. Certamente Lula é corrupto também. 

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10. Se Rodrigo Maia resolver mandar fuzilar um traidor dentro do seu partido que está tentando tomar seu posto de liderança: 

a) Assassino! Autoritário! Cadeia é pouco! Qualquer defensor desse crápula é uma monstruosidade! Quem deu a ele o direito de matar alguém? 

b) Às vezes é preciso tomar medidas mais drásticas para atingir certos resultados políticos num país. Não concordo com o fuzilamento, mas entendo que há coisas piores no mundo com as quais ninguém se preocupa. Por que vamos nos preocupar com um fuzilado por motivo político quando na África, diariamente, centenas morrem de fome e doenças? 

Fidel Castro mandou fuzilar traidores políticos, “antirrevolucionários”. Sobre isso: 

a) Assassino! Autoritário! Cadeia é pouco! Qualquer defensor desse crápula é uma monstruosidade! Quem deu a ele o direito de matar alguém? 

b) Às vezes é preciso tomar medidas mais drásticas para atingir certos resultados políticos num país. Não concordo com o fuzilamento, mas entendo que há coisas piores no mundo com as quais ninguém se preocupa. Por que vamos nos preocupar com alguns fuzilados por motivo político quando na África, diariamente, centenas morrem de fome e doenças? Ademais, todas essas testemunhas que relatam esses fuzilamentos mesmo quando Cuba já estava tomada pelos revolucionários devem estar mentindo a serviço da mídia manipuladora e dos EUA a fim de demonizar Cuba, país lindo onde as pessoas não passam fome e têm uma educação exemplar. 

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11. Stálin foi responsável pela morte de milhões de soviéticos, tanto os fuzilados a seu mando quanto o povo que morreu de fome após implementação de políticas erradas. Sobre isso: 

a) É claro que não é certo matar pessoas, mas precisamos ver o lado bom do comunismo de Stálin. Inclusive Stálin tinha o apoio de parte da população. 

b) Precisamos rechaçar qualquer governo que seja responsável pelo assassinato de pessoas. Precisamos rechaçar qualquer governo que implemente políticas irresponsáveis que deixam o povo desamparado e morrendo de fome enquanto o governante e os seus vivem na mordomia. 

O período da ditadura militar brasileira, de 64 a 85, foi responsável pela morte e tortura de centenas de pessoas. Sobre isso: 

a) É claro que não é certo matar pessoas, mas precisamos ver o lado bom do período da ditadura militar. Inclusive os militares tinham o apoio de parte da população. 

b) Precisamos rechaçar qualquer governo que seja responsável pelo assassinato de pessoas. Precisamos rechaçar qualquer governo que implemente políticas irresponsáveis que deixam o povo desamparado enquanto o governante e os seus vivem na mordomia. 

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12. Inúmeros partidos pediram o impeachment de Dilma Rousseff em 2016. Isso foi: 

a) Pedido de impeachment, de fato, assegurado por nossas leis. 

b) Tentativa de golpe. O povo é soberano. 

O PT defendeu os pedidos de impeachment feitos a todos os presidentes que assumiram o posto após a redemocratização do país: Sarney, Collor, Itamar e FHC. Isso foi: 

a) Pedido de impeachment, de fato, assegurado por nossas leis. 

b) Tentativa de golpe. O povo é soberano. 

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13. Da primeira acusação à prisão preventiva determinada pelo juiz Sérgio Moro, Eduardo Cunha viu tudo passar num átimo. Estamos diante de um caso: 

a) Político. Todo mundo sabe que a justiça no Brasil é uma tartaruga. Algum interesse há para que Cunha tenha caído em desgraça tão rapidamente. 

b) Feliz exceção no histórico de lerdeza da justiça brasileira. 

Da primeira acusação formal à condenação em segunda instância, Lula viu tudo passar num átimo. Estamos diante de um caso: 

a) Político. Todo mundo sabe que a justiça no Brasil é uma tartaruga. Algum interesse há para que Lula tenha caído em desgraça tão rapidamente. 

b) Feliz exceção no histórico de lerdeza da justiça brasileira. 

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14. Ao tomar o posto presidencial, Temer declarou que formaria um governo “de notáveis”. Mas parte dos seus ministros são investigados na Lava-Jato e existe uma birra para que Cristiane Brasil – nada notável, sem experiência e com dois processos trabalhistas nas costas – possa assumir o Ministério do Trabalho. Refletimos: 

a) É claro que Temer não deve ser elogiado por suas escolhas, mas não existe outro jeito de fazer política no Brasil a não ser se aliar mesmo a figuras vergonhosas. O foco não deve ser ele, mas o sistema político. 

b) Governo incoerente, mentiroso e nojento. 

Dilma escolheu para chefiar ministérios de seu governo nomes como Eliseu Padilha, Moreira Franco, Marcelo Crivella, Gilberto Kassab – nomes que nada têm a ver com o projeto de governo oferecido pelo PT. Refletimos: 

a) É claro que Dilma não deve ser elogiada por suas escolhas, mas não existe outro jeito de fazer política no Brasil a não ser se aliar mesmo a figuras vergonhosas. O foco não deve ser ela, mas o sistema político. 

b) Governo incoerente, mentiroso e nojento. 

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15. Os protestos nas ruas em 2013 começaram com uma pauta contra o aumento da tarifa do transporte coletivo e se desenvolveram como crítica a gastos do governo e à corrupção. Você estava lá. Um amigo fez a seguinte acusação: “ao protestar num momento de governo de esquerda você se aproxima da direita!”. Você retruca: 

a) Não é porque eu abomino a direita que tenho que defender a esquerda de fachada que aí está. Repudiar medidas da Gestão Dilma não faz de mim uma pessoa que defende a direita. 

b) É verdade. Quem não está com a esquerda, está contra a esquerda. É preciso decidir quem defender. Ou se é coxinha, ou se é mortadela. 

Um amigo seu, que abomina posicionamentos partidários, comemora, entre tantas coisas, a queda de Dilma Rousseff e a condenação de Lula. Você pensa: 

a) O fato de ele abominar a esquerda e comemorar a queda de nomes grandes dentro dessa vertente não faz dele um defensor da direita. O mundo não é um maniqueísmo. 

b) Quem não está com Dilma e Lula serve aos interesses da direita e é, sim, coxinha. Não existe isso de “não vou entrar na polaridade”, é preciso escolher se se é coxinha ou mortadela. E está na cara que esse amigo escolheu ser coxinha. Só um coxinha não pensa que Lula está sendo injustiçado. 

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CONTANDO OS PONTOS 

As questões, como puderam ver, foram elaboradas aos pares. Então a contagem de pontos é a seguinte: 

Se na questão 1 você respondeu AA = 0 pontos. 
Se na questão 1 você respondeu AB = 1 ponto. 
Se na questão 1 você respondeu BA = 1 ponto. 
Se na questão 1 você respondeu BB = 0 pontos. 

Assim, cada bloco de questões que tiver a mesma alternativa como resposta não soma pontos. Respostas diferentes para questões do mesmo bloco somam um ponto. O número máximo de pontos que se pode atingir é 15. 

RESULTADOS 

0 pontos – Uma pessoa de princípios 
Se foi mesmo sincero, parece que você é uma pessoa que usa o mesmo peso e a mesma medida para tratar assuntos muito semelhantes, quando não iguais. Das duas, uma: ou você não é de esquerda, ou é de uma esquerda muito purista – e corre grande risco de ser linchado pela massa esquerdista que defende o pensamento homogêneo. 

1 a 5 pontos – Ainda uma pessoa de princípios, mas um ser humano sujeito a erros 
Não é fácil ser um bom julgador para todos os casos. O maior exemplo disso está nos juízes, que têm opiniões tão díspares entre si (apesar de a lei ser uma só) e algumas vezes mudam de opinião em pouco tempo mesmo quando tratam de casos semelhantes (ver Gilmar Mendes). Mas você ainda pode ser chamado de um sujeito de princípios, pois tenta ser justo na maioria dos casos que se apresentam para avaliação. 

6 a 10 pontos – A mente fechada para a qual não existem fatos, mas interpretações 
Se um dado fato não se dobra ao seu partido, não é seu partido que você acha que deve ser revisto, mas o fato. “Foi interpretado do jeito correto?”, você pergunta quando o dado fato não te favorece. Se alguém te apresenta uma situação crua, sem dar nome aos bois, você primeiro quer saber com quem aconteceu para depois avaliar. “Matou milhões”. “Ah, Hitler era mesmo um tirano absurdo, onde estava a humanidade naquela época que não colocou freios nesse desvairado?”. “Na verdade eu falava de Stálin”. “Ah, mas nessa conta de milhões também estão os mortos pelas guerras, e Stálin viveu em outra época, outra realidade; pode ter cometido erros, mas alguns erros foram imprescindíveis para manter em pé o que os bolcheviques conquistaram, nem tudo é preto no branco”. Com um pouco mais você será promovido a Doutor em Canalhice, mas por enquanto é só mestre. Cuidado. Ou, dependendo do seu ponto de vista, “parabéns, está quase chegando lá”. 

11 a 15 pontos – Doutor em Canalhice, com orgulho e um sorriso desafiador na cara 
Para chegar a essa pontuação, ou você mentiu só pelo desejo de bagunçar, ou é tão repugnante que deve até dar para perceber de muito longe que você vem chegando com toda a sua pedantice. Você é irracional, implicante e provavelmente quer ser a voz preponderante em discussões políticas. Informa-se pela internet, e só em páginas claramente enviesadas “bem selecionadas”. Se encontra sem querer algo que vá contra o que seu fanatismo apregoa, você lança uma teoria conspiratória, fala da tal “grande mídia manipuladora”, propõe a destruição das instituições. Autoritário e possivelmente com problemas sexuais, espera-se que nunca alcance nenhum grande posto político, pois fará tanto dano quanto Bolsonaro faria se estivesse no mesmo lugar.